Esbracejar político

1. António José Seguro insiste em esbracejar em areias movediças e o problema é que, quanto mais acena com os braços para tentar ser visto, mais corre o risco de se enterrar. O problema não é tanto o futuro político de António José Seguro. O problema é que, mesmo que Seguro ganhe as primárias de dia 28 de Setembro, haverá consequências sobre o sistema político, em particular a representação partidária.

Seguro tem todo o direito e até o dever de resistir politicamente a um desafio de liderança. O que não era expectável é que adoptasse um discurso anti-sistema colado com cuspo. Isto, quando ele próprio, com toda a sua carreira, é um protótipo de político do sistema. Nem era previsível que avançasse com uma táctica que recorre a demagogia e a truques que pouco têm a ver com um saudável debate democrático. Não passa de um malabarismo, para tentar fazer de conta que se marca uma agenda mediática, anunciar que se quer fazer uma revisão do sistema eleitoral a um ano de eleições legislativas, sobretudo quando se sabe que esta questão está desde 1997 para ser resolvida.

Ainda por cima, Seguro nem sequer apresenta um projecto de lei com alterações concretas, mas apenas uma proposta de deliberação vaga – e trazendo para a esfera pública um debate sobre a escolha de um novo modelo eleitoral sem o discutir dentro do partido primeiro, ignorando assim a instituição que dirige. Com esta iniciativa, Seguro condena ao fracasso a hipótese de um debate sério sobre sistema eleitoral, mas, mais do que isso – e por associação –, atira também para o caixote de lixo a sua proposta aparentemente séria sobre o aprofundamento das incompatibilidades na política como forma de combater o tráfico de influências e outras formas de corrupção.

O secretário-geral do PS contribui assim para o descrédito do sistema político-partidário e desgasta ainda mais o que poderia ser uma real aposta numa revisão da lei eleitoral. E isto depois de ter feito o ilusionismo de tirar da cartola a solução das primárias, que, na forma como foram usadas, mais não são do que um subterfúgio para fugir a uma disputa directa da liderança do PS, para que foi desafiado. Assim, é a liderança que está em causa, mas sob a aparência de uma escolha de candidato a primeiro-ministro.

Com o seu esbracejar para tentar manter-se à tona, Seguro poderá estar a afundar mais o sistema partidário, mesmo que argumente que o faz para o reformar e combater a desconfiança dos cidadãos nos seus representantes. Num sistema político em que a representação é feita por partidos, brincar às iniciativas legislativas para encher o espaço mediático e para iludir eleitores não ajuda a aproximar ninguém. Apenas transmite a ideia de que se está a vender gato por lebre. E que não se tem nem ideias, nem vontade para resolver os problemas do país – apenas gerir o tempo e manter-se na pole position do acesso ao poder de governar, através de eleitoralistas promessas vãs, sem qualquer hipótese de virem a ser concretizadas.

2. A febre eleitoralista e o ilusionismo político afectaram também com toda a força o presidente do CDS e vice-primeiro-ministro. Usando a chamada “universidade de Verão” do CDS, Paulo Portas voltou a exibir a sua síndrome da personalidade dupla em política, uma espécie de Dr Jekyll and Mr Hyde da coligação que governa o país.

Na pele de presidente do CDS, Portas discursou com ar grave para defender que em 2015 os impostos devem baixar. E apresentou até dez razões para que tal se faça – na verdade, haveria mais de mil razões para que tal acontecesse. Isto como Dr Jekyll (ou será Mr Hyde?) da coligação, criticando e colocando exigências ao Governo de que é precisamente vice-primeiro-ministro e, em que, como tal e como líder do segundo partido da coligação, tem assinado cada uma das medidas de austeridade, a começar pelos sucessivos aumentos de impostos.

Com o aproximar das legislativas de 2015, o eleitoralismo e a falta de bom senso político tornam-se cada vez mais intensos. É certo que era expectável que, com legislativas no horizonte, os partidos começassem a inventar tácticas para tentarem ganhar votos. Mas a verdade é que se está a ultrapassar a si mesma a capacidade de alguns políticos portugueses de venderem em pacote a banha da cobra e o pó para os calos que faz também crescer o cabelo.

Resta esperar por 2015 para perceber de facto se é possível fazer política assim, ou seja, quais serão as consequências para o sistema e para o eleitorado do desgaste e do descrédito que pode estar a ser provocado pelo discurso e as atitudes de alguns responsáveis que garantem apenas querer regenerar o sistema político e a vida pública. Assim como só resta esperar para ver se a demagogia não irá causar nos cidadãos ainda mais distância em relação aos actuais partidos parlamentares.

Sugerir correcção
Ler 11 comentários