É a tua tia

Os malandros do BCE disseram que as nomeações para a Caixa deveriam obedecer à lei portuguesa. À lei portuguesa?! Mas quem se julgam eles para querer que os nossos bancos obedeçam à nossa lei?

Muitas discussões de casal se evitariam seguindo a simples regra: “eu posso dizer isso àcerca da minha família, mas tu não”. No dia em que o cônjuge se juntar à crítica — ou, pior ainda, se a iniciar — o caldo está entornado.

Seria bom, contudo, que o debate público tivesse regras mais cívicas e menos pessoais. Pelo menos é o que sinto ao ler sobre um dos recentes motivos de escândalo: os malandros do Banco Central Europeu não confiam nos gestores bancários portugueses. Aqui entre nós, que eles não nos ouçam: vocês confiam? Não foi a impressão com que fiquei das conversas que tivemos nos últimos anos sobre o BES, o BCP, o BPN, o BANIF e por aí adiante. Mas há mais: os malandros do BCE disseram que as nomeações para a Caixa deveriam obedecer à lei portuguesa. À lei portuguesa?! Mas quem se julgam eles para querer que os nossos bancos obedeçam à nossa lei? Isso é o que nós queremos, mas se ninguém se intrometer!

Os malandros do BCE têm ainda o topete de nos lembrar que dentro de poucos anos a administração da Caixa tem de ter pelo menos um terço de mulheres. Aí a coisa fia mais fino. Eu próprio votei a favor dessa diretiva europeia, tal como uma maioria dos deputados ao Parlamento Europeu eleitos pelos portugueses entre 2009-2014. Até fomos mais ambiciosos: queríamos 40% de mulheres nos conselhos de administração das empresas europeias (com exceções das PMEs). Mais do que uma imposição burocrática, a quota para mulheres foi uma exigência democrática da única instituição diretamente eleita da União Europeia. Fico contente que ela esteja para chegar em breve aos conselhos de administração das empresas portuguesas.

Uma coisa não passa a estar errada só porque foi dita pelo BCE. Francamente, prefiro a quota de mulheres às quotas que eram habituais nas nomeações para a Caixa, a do PS, do PSD e do CDS. Se as atuais nomeações já se tinham afastado desse vício, não me incomoda que de futuro tenham de se afastar ainda mais.

Alguns opinadores e jornalistas tentaram fazer reviver o ambiente de escândalo sazonal em questões europeias porque os vetos do BCE, com base em leis europeias e portuguesas, impuseram menos administradores, formação em gestão bancária para alguns deles e limites para a acumulação de funções em vários conselhos de administração. Mas ainda me lembro de alguns desse mesmos comentadores reclamarem contra o excesso de nomeações, o excesso de informalidade e o excesso das mesmas pessoas nas administrações dos bancos. E mais ainda me lembro de todos eles terem criticado a leveza excessiva da supervisão bancária antes e durante a crise.

Por isso não penso que a maior parte dos portugueses se sinta humilhado e envergonhado com estas decisões do BCE e, talvez por isso mesmo, por uma vez nem o PCP e o BE acompanharam as sugestões de mudar a lei à medida dessas decisões. Escandaloso, isso sim, foi quando o BCE se juntou à troika a recomendar cortes de salários de portugueses sob o aplauso de alguns comentadores nacionais.

E escandaloso será se o BCE não fizer as mesmas recomendações a qualquer outro banco espanhol, alemão ou francês. Nesse caso aqui estaremos para protestar. Até então, humilhação é a tua tia.

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