Crónica de Verão

Começou Agosto e entrei em férias. Para mim, o Verão não é a silly season. Pelo contrário, é um período estimulante, em que as recordações da minha juventude se associam ao gosto de estar em família e ao reencontro com velhos amigos.

No final do secundário, as férias eram prolongadas. Passava-as em Sintra, a passear pelo jardim, sempre com um livro debaixo do braço. Estávamos nos anos 60 e acreditávamos que era possível mudar o mundo. Encantado com o existencialismo, lia Sartre, Beauvoir e Camus, em francês, língua que agora é sentida como inútil por tantos estudantes do final do básico. E “devorava” (expressão da minha avó) os autores portugueses: Fernanda Botelho (A Gata e a Fábula), Augusto Abelaira (A Cidade das Flores e Enseada Amena) e, sobretudo, encantava-me com os contos sublimes de Maria Judite de Carvalho, de que há pouco reli o magnífico Seta Despedida.

O cinema estava sempre presente. Lembro-me do barracão da Praia das Maçãs, ao lado de Francisco George, onde nos divertíamos com a fita partida e os gritos a pedir o recomeço, para depois discutirmos o filme na discoteca A Concha (o Francisco ainda hoje comenta como eu fixara o nome de Rossano Brazzi, um canastrão italiano que fazia o papel de galã). Dessa época, recordo acima de tudo Antonioni, que me inspirou em tantas reflexões pseudofilosóficas, “apresentado” pelo meu irmão, acabado de regressar a Sintra depois de se encantar com o filme A Noite.

A memória de hoje leva-me, por razões desconhecidas, ao filme Verão Violento (Estate violenta), de Valerio Zurlini, que vi com amigos em Lisboa, uns anos depois da sua estreia (1959). Nesta obra, uma das mais marcantes do bom cinema italiano da época, há um contraponto magnífico entre a paixão violenta dos protagonistas e os horrores do final da Segunda Grande Guerra, com a queda de Mussolini em pano de fundo. Nessa época, jovens italianos ricos e desocupados viviam os seus amores em cenário de guerra, a princípio alheios ao que se passava em redor. Eleonora Rossi Drago encantava-me na altura, e Jean-Louis Trintignant, na época em início de carreira, já deixava adivinhar o grande actor do futuro (que em 2013 pudemos rever em Amor, cerca de 50 anos depois).

Hoje tudo está diferente. Poucos jovens vão ao cinema no Verão, preferem descarregar da Internet. Os festivais de música são o centro da diversão, em noites quentes que se prolongam até de madrugada. Não há leituras de férias, como no meu tempo de juventude. E as paixões violentas, que surgem agora como outrora, diferem das de Eleanora e Jean-Louis, porque poucos ligam ao que se passa em redor.

E, no entanto, o Verão conserva a sua magia. Há tempo para tudo: para descansar, para a diversão, sobretudo existe o fascínio de não estarmos sempre a olhar para o relógio. Temos mais horas para nós próprios e para a família, sobretudo para os mais novos, os mais importantes para mim.

No Algarve, durante uma semana, aguardo com expectativa o meu jantar anual com a Manuela e o Eduardo Barroso, numa noite tranquila no Restaurante Restinga (Alvor), onde a amizade e o bom peixe fazem sempre voltar. Depois, voltarei às minhas recordações de juventude, frente ao mar revolto das Azenhas do Mar.

Para as famílias onde os conflitos tornaram difíceis o passar dos dias, espero que o encanto das férias os ajude com novos olhares em volta. O reconhecimento do outro e das suas circunstâncias é sempre a chave para um melhor entendimento.

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