Coisas simples

Chegados ao quinto ano desta crise, há coisas que se tornam bastante simples. Um lado da política diz-nos que a austeridade é necessária, que não se pode renegociar a dívida e que as políticas monetárias devem ser restritivas. O outro lado diz o contrário: a austeridade aprofunda a recessão, há momentos em que um alívio da dívida é preferível para toda a gente e, nestes momentos, as políticas monetárias devem ser expansionistas.

Já não é a primeira crise em que estas duas visões se confrontam. No início dos anos 1930, o presidente Hoover dos EUA adotou — por influência do seu Secretário do Tesouro, Andrew W. Mellon — a primeira estratégia, a que se chamou então “liquidacionista”. “É preciso liquidar emprego, liquidar ativos, liquidar lavoura, liquidar imobiliário... para purgar a podridão do sistema”, dizia Mellon, “as pessoas trabalharão mais no duro, viverão uma vida mais moral; os valores serão reajustados, e as pessoas empreendedoras substituirão as pessoas menos competentes”. Este tipo de pensamento ainda está conosco, e ganhou hoje o nome de austeritário, como os pais severos que dizem que castigar os filhos ajuda a formar o caráter e que desejam aplicar essa atitude à nação, à Europa e ao mundo.

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Do outro lado, temos a visão da “prudente generosidade”, como lhe chamou Keynes, e que se materializou no New Deal de Roosevelt, na Frente Popular francesa ou na social-democracia escondinava. Esta segunda estratégia parte do princípio de que liquidar trabalho é desperdiçar braços e mentes, e advoga uma “grande revalorização” como forma de sair da crise — valorizar as pessoas, o conhecimento e o território. Para tal, é preciso ajudar a economia a sair da crise através das funções coletivas da organização política (o estado ou uma união de estados): fazer investimento público ou, pelo menos, inverter a austeridade; renegociar dívidas para permitir aos países e às pessoas “começar de novo”; e, por último, possibilitar políticas monetárias expansionistas.

A escolha entre uma via ou outra deve fazer-se por via democrática e eleitoral. É aí que os cidadãos têm a oportunidade de se exprimirem sobre a estratégia a escolher.

De uma forma que não surpreende, Cavaco Silva aproveitou o dia da marcação de eleições para fazer um discurso no qual, em vez de dizer aos portugueses que usem essas eleições para fazer uma escolha clara, foi antecipadamente alertando para a sua preferência por um tipo de governo que impossibilite qualquer distinção política.

Cavaco gosta de complicar as coisas simples.

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Uma nota — o Financial Times de hoje publica uma crónica de Wolfgang Münchau que repete o essencial do que escrevi aqui na semana passada: a reestruturação das dívidas soberanas é perfeitamente compatível com os tratados e pode ser feita na zona euro. Pode ser que, agora, esta ideia comece a fazer o seu caminho, e que se entenda que ela não é uma defesa das regras europeias mas uma mera constatação do evidente: que o Sr. Schäuble está a enganar propositadamente os europeus para tentar escapar ao inevitável alívio da dívida à Grécia e a outros países da zona euro.

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