Cartas à Directora

Acordo ortográfico (AO) – que debate?...

No mês de Março, o PÚBLICO inflacionou a sua campanha contra o AO. No dia 12, dedicou-lhe três colunas; no dia seguinte, duas; dois dias depois, toda a página 54; e, no dia 27, uma coluna inteira. Já em 24/2, ocupou também toda a página 43. Nada teria a objetar se tais textos fossem catalogados como campanha contra o AO. Mas não! Levam em destaque o subtítulo de “Debate”. Mas que debate? Há várias opiniões contraditórias? Não! Todas a contestarem o AO com os mesmos argumentos (caos, etimologia) e até insultos como o texto mais recente do aluno da Dr.ª Maria Alice (tortuosidade, incoerência, pequenez de espírito). E não se diga que não houve contestação porque, pelo menos, enviei uma carta à diretora logo no dia 13/3 que não foi publicada nem mesmo depois de reclamar ao provedor.

O argumento para nada se alterar e manter a ortografia estabelecida em 1945 é o da obediência etimológica, o que não passa de um oximoro, pois para tal teríamos de voltar muito atrás e escrever como Fernam Lopes, cronista de El-Rey D. Joham I, e eliminar a acentuação. Passaríamos a escrever escriptorio, orthographico, caronica, estoria, Santo Thyrso, etc., etc.. Na falta de melhores argumentos enumeram-se listas de erros ortográficos como o de se escreverem palavras sem consoantes que se pronunciam, atribuindo-se a responsabilidade ao AO. Ora este é muito claro: a consoante pronuncia-se? Se sim, escreve-se; se não, omite-se! Simples, elementar! A professora Maria Alice não deixaria de admoestar severamente o aluno que cometesse tais erros desculpando-se com o pretenso caos do AO. Também a minha professora da escola primária me dava palmatoadas sempre que eu escrevia “Manoel”, apesar de estar assim registado na minha Cédula Pessoal anterior a 1945…

E assim vai o debate sobre a cor do horto gráfico…

M. Gaspar Martins, Porto

Para Zeinal

Não sei se Zeinal Bava sabe que a passagem mais famosa do mito do rei Midas, aquela em que ele consegue de Dioniso o dom de transformar em ouro tudo aquilo em que toca, não esgota a riqueza que nos oferece essa pequena e imortal narrativa. O pormenor de Midas ser pessoa de raciocínio lento (um estúpido, se não estivermos com rodeios) nem sempre é devidamente salientado.
Após se ter apercebido da enormidade do dom que obtivera, Midas beneficia da compreensão de Dioniso (teve sorte!) e a coisa resolve-se com um mero banho na nascente de um rio.

Mas a tacanhez de espírito de Midas é imensa e irá valer-lhe as célebres orelhas de burro, oferta de um Apolo irritado.

O mito é bem conhecido mas o que mais impressiona é a burrice da personagem, a sua memória curta. Como se a concupiscência decorresse de uma notória incapacidade para compreender o mundo para lá do brilho das coisas doiradas. Midas, ganancioso e estúpido como um calhau, é a imagem da ambição desumana. As orelhas de burro são símbolo da sua glória.

Rui Silvares, Cova da Piedade

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