Cartas à Directora

O burkini

Recentemente, alguns municípios franceses proibiram o uso do burkini, palavra que resulta da combinação das palavras burka e biquíni. Foi considerado um símbolo religioso e, como tal, não seria compatível com os valores da França e da república. Talvez se possa ver como um símbolo religioso, na medida em que resulta da moral ligada a interpretações da religião muçulmana. Digo interpretações porque em países em que predomina a religião muçulmana e em que essa moral não é oficial as mulheres vestem-se de modos muito diferentes, embora biquínis não sejam permitidos, excepto em alguns resorts turísticos. Em Portugal, ainda não há muitos anos o trajo das mulheres e o que usavam na praia não era muito diferente. Lembro-me de ver mulheres a tomar banho no mar com vestidos e as mais idosas com vestidos e lenços de cabeça negros quando ficavam viúvas, que usavam até à morte. Era isso um preceito religioso católico ou era a moral popular que nessa religião tinha origem, fazendo com que as pessoas se sentissem na obrigação de usar esses trajes por sentirem essa obrigação perante si próprias e perante a comunidade?

Quando se proíbe o uso do burkini pensa-se também em proibir outro tipo de trajes que os muçulmanos e as muçulmanas usam ou o traje de certos judeus ou o dos sikhs? Esses trajes estão ligados às religiões, mas não são bem símbolos religiosos porque, tal como aconteceu e continua a acontecer com os católicos, esses aspectos exteriores mudam mais ou menos lentamente com o tempo. Agora, nem tudo é aceitável, a meu ver. Não me parece aceitável ter a cara tapada, como o que acontece com as burkas, por uma questão de segurança. Penso que é indispensável que as pessoas possam ser reconhecidas. Do mesmo modo que não deveria ser permitido que em manifestações participem pessoas com a cara tapada.

Penso que as tradições e as convicções das pessoas devem ser respeitadas, excepto as que envolvem crueldade como a mutilação genital feminina, mas também a circuncisão, que são práticas injustificadas e cruéis.

As proibições injustificadas têm muitos inconvenientes, levando eventualmente a reacções de oposição das comunidades dos visados, enquistando as posições destes, atrasando assim as modificações que naturalmente se poderiam produzir nessa comunidades.

Ferraz Gonçalves, Maia

A pira contra a injustiça

A Olimpíada representou um período de atenção, entusiasmo e torcida no acompanhamento da disputa de jogos e desempenhos físicos entre os melhores do mundo. Conquistámos medalhas inéditas e interagimos com povos e culturas diversas. Uma alegria sem culpa para brasileiros e turistas. Mas lamentavelmente essa paz esportiva passou e cada um para seu lado. Volta o cotidiano e a luta agora é por outra medalha: a luta contra o retrocesso econômico, político e social. Deplorar a ausência de democracia, de liberdade de imprensa e imparcialidade da justiça. Na Copa de 70 a ditadura vibrou e usou o caneco definitivo para esconder suas mazelas. Mas a pira contra a injustiça não se apaga.

Antonio Negrão de Sá, Rio de Janeiro

Sugerir correcção
Comentar