Cartas à directora

O extremista

Olhei para o calendário do tablet e dei conta de que estava a 17 de Abril, começo da Crise Estudantil de 69, em Coimbra.

Não foi, contudo, a imagem desse dia inicial inteiro e limpo, precursor do que inspirou Sofia, que me aflorou à memória. Foram recordações dos dias que se seguiram e da descarada deturpação da realidade assumida com despudor por personagens abjectas que pareciam, mesmo para os mais crentes, incapazes de assumirem um tal extremismo.

Afinal o desprezo pela democracia (ia dizer, o fascismo) é também isso: o uso da comunicação contra os cidadãos, iludindo a verdade, julgando poder impunemente ludibriá-los. Por vezes, a forma é tão primária e caricatural que denuncia uma arrogante miséria de espírito.

Junho de 69. Véspera da greve aos exames. Coimbra em polvorosa. O ministro da Educação, Hermano Saraiva, surge nos ecrãs com olhar ameaçador vomitando fel e mentira. Que Coimbra estava calma mas havia agitadores comunistas a manipular os estudantes. Tudo continuava sob controlo e a ordem ia ser restabelecida.

A resposta do secretário de Estado adjunto da Saúde, Fernando Leal da Costa, à reportagem da TVI que filmou as Urgências com corredores atafulhados de camas e doentes num caos próprio de um ambiente de guerra foi, por isso, um déjà vu. Com frieza (...), declarou que isso era a prova de que tudo estava a funcionar bem, que os doentes estavam bem instalados em camas articuladas, e que quem dizia o contrário eram agitadores comunistas bem conhecidos. Faltou acrescentar que se havia mortos é porque os vermelhos andavam por ali a dar injecções atrás da orelha.

Um vómito que confirma os métodos do Governo, bem representado nesta personagem menor, capaz de tudo menos de ser médico ou cidadão.

Jorge Seabra, Coimbra

A cimenteira

O casal Santos festejou as suas bodas de ouro no restaurante O Penhorado (passe a publicidade) junto da família mais chegada, pois trata-se de gente com posses bastante modestas. No fim, o senhor Santos, cidadão cumpridor, lá pediu a factura aproveitando para dar o NIF, na ilusão de lhe vir a sair um automóvel. Pelos vistos, em má hora o fez, pois, passados poucos dias, recebeu uma carta das Finanças e, feliz da vida, chamou a esposa para assistir à sua abertura, pois teve um pressentimento que lhe tinha saído o carro de prenda. Que decepção teve o casal ao ler que se tratava de uma notificação, brindando-o com a missão para que, quando voltasse ao restaurante, teria que executar uma penhora. Acto contínuo, jurou à esposa que, caso festejassem as Bodas de Diamante, se até lá ainda existirem reformas e o restaurante não tiver falido, iriam lá, sim, mas pedir factura, nunca.

Ora este intróito tem a ver com as leis que saem todos os dias feitas por cabeças com massa cinzenta sim, mas sem neurónios. Infelizmente, é ilusão de óptica, pois, apesar de cinzenta, não passa de massa de cimento. No caso em apreço e na opinião de técnicos de contas, para além de ser ilegal tal lei, por quebra de sigilo fiscal, ainda nos obriga a ser cobradores sem remuneração. Com tal lei, o consumidor irá deixar de dar o NIF e até evitará solicitar factura, fomentando desta maneira a fuga ao fisco. Agora me lembro daqueles que, na altura, alertavam para os inconvenientes da identificação fiscal e este caso vem confirmar tal alerta e mostrar que isto será apenas a ponta do icebergue. Ora tudo isto é o resultado das nomeações de boys sem experiência para os gabinetes governamentais daqui resultando que tais leis mais pareçam ter saído pela chaminé de uma cimenteira. Mas nem tudo é negativo, pois, graças à boa manutenção das instalações, estamos livres de um novo surto de Legionella. Ao menos isso.

Jorge Morais, Porto

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