Cartas à Directora 19/11

Empresas da teia

Sim, tenho uns morangueiros nas traseiras da minha casa, mas nunca deram morangos, acho até que já morreram. Pode-se falar assim da horta, mas dificilmente se entende que alguém se refira desta forma à sua participação numa empresa. Para começar, uma participação não vem tipo oferta do detergente da roupa. Tem um valor que o próprio pagou ou alguém pagou por ele, não há participações grátis. Depois, ser sócio de uma empresa implica responsabilidades e algum risco. Por prudência básica seria previsível que os sócios acompanhassem minimamente a gestão da “sua” empresa, para não se depararem um dia com surpresas desagradáveis.
Uma empresa, mesmo sem actividade comercial, continua a ter obrigações fiscais e sociais, não se extingue por morte natural. Há uma formalidade a seguir e estranho será que os donos não estejam a par. Um sócio desconhecer o estado da sua participação, no mínimo, não é muito responsável.
O escândalo de corrupção em volta dos vistos gold escandaliza por ser uma teia e uma teia criminosa a um nível muito elevado. Marques Mendes tinha um ponto de contacto com essa teia e, em vez de manifestar surpresa e vontade de se afastar, acha mais importante dizer que não ganhou nada nessa empresa. A ideia que fica é tratar-se de uma teia difícil de quebrar.
Carlos J. F. Sampaio, Esposende

Vistos

ARI. Soa bem, a poesia (e da melhor). Mas, afinal, é o contrário – burocracia, sigla oficial (lei e regulamentação de 2012) do “regime especial de concessão e renovação de autorização de residência, com dispensa de visto de residência, para actividade de investimento em território nacional”, uma coisa com a alcunha de “vistos gold”.
Pelos vistos, a remexer nesta coisa de “ouro”, andam por aí uns goldfingers (“dedos de ouro”) da alta administração pública, da polícia, não sabemos se da “política” (com aspas, nesse caso).
Mas não é isso que preocupa. Agora, diz a senhora ministra da Justiça, “terminou impunidade” e (já) “ninguém está acima da lei”. Estamos mais descansados, pelo menos até novo “caos” na Justiça com nova “trapalhada”, digo, “revolução”, digo, “reforma”.
Apesar da falta de moralidade e de igualdade social que caracterizam a coisa, os tais “vistos gold”, uma vergonhosa venda de cidadania, nem sequer isso preocupa. Afinal, a coisa não só é legal e por aí banal como (mais ou menos) consensual no “arco governamental”.
O que preocupa é o nome, “dourado”, da coisa. O nome deve ser a coisa nomeada (e vice-versa). Pelos vistos, não é.
ARI? “Autorizações de residência para investimento”? Que “investimento”? Em actividade produtiva e criação de emprego, em “ouro” económico e social?
Pelos vistos, em 1775 dessas tais ARI, correspondentes a 1076 milhões de euros, apenas três (cerca de 0,052 %) se destinaram a criar (se é que criaram) emprego. A maioria, 1681 (95%), foi para aquisição de imobiliário “gold” (imóveis de valor igual ou superior a 500.000 euros). Ou seja, para financiar a banca (o costume), para lhe “dourar” imobiliário que tem “enferrujado”. Mais, pelos vistos, parece que muito desse “investimento” foi em (falso) “ouro branco”, branqueando as suas “escuras” origens.
E agora ainda, tudo isto visto, parece que, pelos vistos, os vistos, apesar de tão bem-vistos (?), têm andado a ser, “para os (in)devidos efeitos”, mal vistos. Daí que, está visto, devem ser revistos.
Não acham isto bem visto?
João Fraga de Oliveira, Santa Cruz da Trapa

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