Cartas à Directora

Folclorite Aguda em Viana do Castelo

As danças, trajes e cantares tradicionais portugueses são ricos, vivos e vistosos. De certa forma isso constituiu uma infelicidade. É sabido que nos tempos do Estado Novo foi feita uma promoção do país e da alegria e riqueza de cá viver, usando e abusando dessa tal espetacularidade, em prejuízo do rigor e do respeito pela verdadeira cultura tradicional.

Posteriormente, principalmente a partir da década de 80, foi feito um esforço de correção de alguns hábitos consagrados pelos grupos folclóricos, anacrónicos quanto à época supostamente representada, que é a dos finais do século XIX, início do século XX, pré-implantação da República. Esses erros incluem a estilização (e mesmo a invenção) de alguns trajes, exposição indecorosa (para a época) de atributos femininos e são particularmente relevantes na área musical, a nível de naipe de instrumentos e na forma como são tocados, com evidente resistência a serem corrigidos.

Recentemente na romaria da Sra. da Agonia, em Viana do Castelo, terra muito ciosa das suas tradições e preservação das mesmas, vi um grupo, supostamente autêntico, deliciar o público com uma versão “folclórica” do Havemos de ir a Viana, popularizado por Amália Rodrigues. Está bem que o povo gosta e adotou a música, independentemente da sua origem. Está bem que quando um dia se revisitarem as músicas populares desta época estará lá certamente “os peitos da cabritinha”, mas, no mínimo, com outros trajes… espero.

Há uma fronteira entre o domínio criativo de inspiração popular e o trabalho autêntico de reconstituição de tradições. Essa fronteira pode ser atravessada, mas com sinalização clara e não nesta promiscuidade leviana. Trabalho cultural deve ser sério e não uma palhaçada que não merece o mínimo respeito. O povo merece mais.

Carlos J F Sampaio, Esposende

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