Cartas à Directora

Péssima imagem do ensino e do país

“José Castelo Branco e Lili Caneças são figuras incontornáveis para o conhecimento do que é a cultura portuguesa.” O alerta é feito por uma professora num curso de Português para estrangeiros leccionado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A frase é acompanhada por um exemplar da revista Caras que é mostrado aos alunos.

Estamos na Faculdade de Letras de Universidade de Lisboa, numa aula pós-laboral de Português para estrangeiros. No início do curso, semestral, a turma tinha vinte alunos, constituída por gente de diversas profissões, um diplomata incluído, que aqui se juntavam para aprender a língua portuguesa. Nas últimas semanas restávamos quatro: dois europeus, uma nigeriana e uma venezuelana.

Aproximando-se a data do exame, perguntei se era possível fazer revisões em vez de "fofocar" em redor da revista Caras. A resposta foi: “Aqui na aula não fazemos revisões, isso faz-se em casa, aqui aprendemos coisas”.

Até posso concordar com esse princípio, mas discordo do conteúdo do curso. Somos pessoas adultas em plena actividade. Precisamos de saber como nos devemos comportar no mundo profissional, responder aos clientes, tratar com os chefes, usando algumas das informações sobre economia e política portuguesa entretanto aprendidas.

Levanto duas questões: por que são estas aulas tão mal adequadas à realidade portuguesa e por que não se adaptam em função concreta da realidade dos alunos que as frequentam?

Procuro respostas e constato em primeiro lugar que os professores não foram formados para encarar os desafios pedagógicos de hoje. Uma língua viva não se ensina como o latim – decorando quadros gramaticais – mas falando, de um modo interactivo, com os estudantes.

Em segundo lugar, concluo que o programa nunca precisou de ser mudado porque ninguém na verdade se preocupa com a qualidade do curso. Metade dos alunos vem da China. Pagam 1500 euros cada três meses a fim de terem um nível de português suficiente para estudar na universidade. A outra metade são jovens europeus integrados no programa Erasmus que ficam em Portugal seis meses, o tempo suficiente para aproveitar a vida nocturna de Lisboa.  

Por fim, por uma mágica administrativa, mesmo localizada nos prédios universitários, a escola de língua não faz parte da Universidade. Chama-se a Associação para o Desenvolvimento da Facultade de Letras de Universidade de Lisboa. Todos os professores são pagos através de “recibo verde”. Isso significa que têm que trabalhar das oito às oito para sobreviver.

Infelizmente, esta falta de estímulo profissional encontra-se também noutros sectores económicos portugueses e a sua banalização generalizada talvez justifique a ausência de preocupação por esta péssima imagem com que se fica do ensino e da imagem que o país quer dar de si. No entanto, investir na formação profissional devia ser primordial. Não implica grande custo, permite manter-nos ao corrente em linha com o progresso, eleva a satisfação e auto-estima de empregados, clientes e dirigentes. O português é a sexta língua do mundo. Acho que vale a pena investir na melhoria do seu ensino e na promoção cultural lusófona que abrange muito mais que a cultura das empresas cor-de-rosa.

David John Kong, Lisboa
 
 
 

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