cartas à directora 03/09

Tal trabalhito, tal dinheirito!

Decorridos que estão quase seis anos sobre a data em que os emissários da então ministra da Saúde, Ana Jorge, voaram em classe executiva para as Caraíbas incumbidos da espinhosa e complexa missão de contratar médicos de língua castelhana para suprir a carência lusitana no Alentejo profundo, o assunto volta agora às paginas dos nossos jornais enquanto a derrocada do BES se vai diluindo na curiosidade dos leitores.
Tudo porque José Manuel Silva, o combativo Bastonário da Ordem dos Médicos, voltou à carga pedindo ao actual Ministro da Saúde, o inflexível fiscalista Paulo Macedo, que remunere os médicos Portugueses com o mesmo salário que paga aos “não especialistas” Cubanos, cujo montante ao fim de todos estes anos se salda já pela bonita quantia de 12 milhões de euros. Ao fim ao cabo como diz o bom povo, “tal trabalhito, tal dinheirito!”
Quem não gostou da iniciativa foi a senhora Embaixadora da República de Cuba que reagiu parecendo desconhecer a cortesia e a contenção, jóias muito em uso pelos verdadeiros diplomatas em momentos de crise ou apenas de exaltação de razões, como estou em crer são as presentes.
Como seria de esperar enumerou os benefícios deste acordo para os cidadãos nacionais, contabilizou as consultas e por último lá explicou por que razão o dinheirinho do contrato não vai directo para o bolso dos profissionais contratados…
O que é interessante nesta troca de mimos em que, apesar de tarde, o Bastonário apela com toda a razão à justa remuneração dos médicos e alerta para a cada vez mais numerosa emigração de especialistas, é que já antes, muito antes, a Associação Nacional de Estudantes de Medicina no Estrangeiro, ANEME, a que honradamente presidimos, havia comentado a referida contratação e solicitado ao Ministério da Saúde informação sobre o conteúdo contratual, que à boa maneira portuguesa nunca mais teve resposta.
Além do mais, sugerimos à senhora Ministra da Saúde de então, que entre outras medidas tivesse em atenção o elevado número de estudantes de medicina no estrangeiro e mandasse proceder com o seu homólogo do Ensino Superior, à revisão dos critérios de licenciatura das novas escolas que contemplavam, imagine-se, a formação de médicos em apenas quatro anos!
Lamentavelmente, a inércia e a indiferença tão características dos governos portugueses cujo principal objectivo continua a ser o sucesso eleitoral a qualquer custo, nada foi prevenido nem acautelado, chegando ao ponto de agora ser necessário voltar a contratar médicos no estrangeiro, apesar do ministro Paulo Macedo clamar aos quatro ventos que estará para breve a contratação de todos os médicos para o Serviço Nacional de Saúde.
Fique claro que nada temos contra a troca de experiências e mobilidade de profissionais, pois daí, como insiste o prestigiado mestre Daniel Serrão, só resulta conhecimento e sabedoria que são sempre bem-vindos. Mas de momento, não nos ocorre nenhum país que não proteja ou dê prioridade aos seus nacionais. A não ser que receie a xenofobia ou até mesmo, tema pecar!...
Francisco Pavão, Médico Interno de Saúde Pública, Ex-Presidente ANEME, Porto

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