As legislativas perdidas

O próximo Outono será um Outono quente e sê-lo-á porque as próximas escolhas políticas em Portugal e na Europa correm o risco de se perder pela indignação ou pelo medo.

Como descreve Manuel Castells na nova edição do seu best-seller “Redes de indignação e esperança”, se o medo é um forte mobilizador, também o é a indignação, em particular quando se sobrepõe àquele.

Comecemos pelas eleições legislativas portuguesas. Desta vez, a luta não vai ser como em 2011 entre um governo e uma oposição que tentavam manipular a vinda da troika a seu favor - admitamos hoje que esse foi um pensamento com uma forte dose de ingenuidade política, pois há certas coisas que simplesmente não são domesticáveis.

Isto é, em 2015 nem o PSD nem o CDS estão a utilizar a vinda da troika para ganhar eleições, nem o PS acredita que irá ser capaz de, num golpe de judo, utilizar a Comissão, o BCE e o FMI para implementar uma agenda reformista que não havia sido possível até 2011.

Mas falemos do próximo Outono e porque Portugal está na Europa, vale a pena ver o que mudou entre 2011 e 2015 na União Europeia e como isso pode contribuir para aquecer o próximo Outono eleitoral português.

Na União Europeia a crise grega não está resolvida, mas entretanto, mudaram alguns governos na zona euro, em particular o Grego.

O presidente da Comissão Europeia deixou de ser Durão Barroso, ex-presidente do partido do actual primeiro-ministro português, e o presidente do Eurogrupo, Jean Claude Juncker tornou-se presidente da Comissão Europeia.

As mudanças de protagonistas tiveram como consequência o reposicionamento das estratégias políticas face às periferias do euro – obviamente com ganhos para uns e perdas para outros.

Nos últimos tempos, o medo e a indignação parecem ser os elementos base de qualquer disputa política. Por exemplo, no referendo grego o Syriza utilizou a indignação para ganhar contra o medo protagonizado pela Nova Democracia e pela propaganda dos restantes membros do euro.

Por sua vez, na histórica madrugada da reunião do Eurogrupo, o medo foi utilizado, na sua forma mais extrema, por parte da Alemanha para impor um resultado à Grécia.

Não podendo o medo vencer a indignação, nem o oposto, restou o compromisso e, de novo, a perda da oportunidade de resolver de uma vez por todas esta crise velha de cinco anos.

O resultado final desta contenda foi um novo compromisso, o qual voltou a colocar toda a crise do euro na casa de partida – ou se quisermos congelou-a até Novembro de 2015 à espera do FMI e do fim do ciclo eleitoral no sul europeu. No entanto, esse episódio teve, e terá consequências, para as próximas eleições.

Tal como a recente entrevista do Presidente da Comissão Europeia ao jornal Le Soir demonstrou, acabou o tempo em que a comissão estava disposta a ser a desculpa para a manutenção de quaisquer partidos no poder através do medo e ser o alvo da indignação dos que se opunham as políticas de austeridade.

No sul da Europa cada partido está por sua conta e cada qual terá de governar sem a muleta do pós-2011 que se traduzia “temos de o fazer porque a isso obrigam os compromissos assumidos com a troika”.

Se tantas coisas mudaram entre 2011 e 2015, o que se mantém igual? No actual contexto português apenas o Presidente da República se mantém igual a si mesmo.

O Presidente da República é em 2015 o mesmo que foi em 2011, tentando condicionar a actuação governativa à luz do que acha ser o mais adaptado à sua concepção de exercício do poder executivo – algo que moldou enquanto primeiro-ministro, presidente do PSD e nos dez anos de espera presidencial.

Tal como muitos outros acontecimentos na Europa, as próximas eleições portuguesas podem ser perdidas ou ganhas através do medo ou da indignação.

A campanha eleitoral para as eleições de 4 de Outubro tem duas faces. Uma face é dada pelos programas de governo e pelos cabeças de lista. Por sua vez, a outra face resulta do discurso dos líderes partidários e dos militantes com visibilidade pública.

Tanto os programas como os cabeças de lista pretendem demonstrar que os partidos são capazes de governar e que há pessoas no PS e na coligação PaF com os quais alguém pode aspirar a identificar-se.

No entanto, se os programas e os cabeças de lista são apresentados e escrutinados num momento preciso, já os líderes estão (e estarão) permanentemente à procura de ir ao encontro da emoção dos seus eleitorados.

Se fizermos um exercício de análise do discurso dos dois líderes do PS e PaF, António Costa e Pedro Passos Coelho, parece óbvio que ambos tentam aproveitar o que o eleitorado parece pensar do actual e do anterior governo.

Correndo o risco de generalizar (e ser injusto para todos os partidos envolvidos), podemos dizer que a população acha que o actual governo foi injusto para as pessoas e destrutivo para o país e que o anterior governo foi, embora de forma diferente, injusto para as pessoas e destrutivo para o país.

Tendo presente essa percepção, ambos os três partidos ensaiam ora um discurso de medo ou apelam à indignação.

O PSD e CDS procuram dizer “se os que lá estiveram antes de nós voltarem perderemos tudo e voltaremos aos mesmos problemas” e o PS procura dizer “tudo o que nestes quatro anos foi feito aos portugueses é injusto, foi mal feito e colocou-nos pior do que estávamos”.

A 4 de Outubro nas legislativas portuguesas ir-se-á votar pelo medo que o PS regresse ao governo ou pela indignação do que o PSD e CDS fizeram no governo ou por qualquer outra variante do uso da indignação ou do medo.

No entanto, o resultado final das legislativas depende também de sabermos quantos votarão pela positiva em Pedro Passos Coelho ou em António Costa, quer pelos programas de governo quer pelas escolhas de cabeças de listas?

E quantos, face à generalização da ideia de indignação e de medo, optarão por votar noutros partidos e em outros cabeças de lista?

Resumindo, talvez seja melhor aproveitar este período estival para procurar temperaturas amenas, porque as legislativas, o medo e a indignação trarão até nós um Outono quente tanto para quem as ganhar como para quem as perder.

Gustavo Cardoso é professor do ISCTE-IUL, em Lisboa, e investigador do College d'Études Mondiales na FMSH, em Paris

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