A Internacional no século XXI

Thomas Piketty — o economista francês que se celebrizou com o livro O Capital no Século XXI, e que falará hoje às 18h30 na Fundação Gulbenkian — teve a coragem de reintroduzir a Grande Teoria no debate atual. O último autor a condensar num só livro, com tal abrangência e influência, teoria e princípios de ação foi provavelmente o filósofo americano John Rawls, com Uma Teoria da Justiça, de 1971 — curiosamente, o ano em que Piketty nasceu.

John Rawls propôs dois princípios de justiça — do igual acesso às liberdades fundamentais e o “princípio da diferença”, ou seja, de que as desigualdades só podem ser justificadas no caso de beneficiarem aqueles que na sociedade vivem pior — que concentraram uma grande parte do debate sobre políticas públicas desde então. Thomas Piketty propõe três leis económicas que resultam naquilo a que ele chama “a contradição fundamental do capitalismo”, a saber, a ideia de que o rendimento do capital tem uma tendência “natural” a ser superior ao crescimento económico — ideia já popularizada numa fórmula simples: r>g. Se “o rendimento é maior que o crescimento”, a forma mais evidente de o corrigir é através de um imposto sobre a riqueza. Como o capital, no século XXI, se globalizou, esse imposto sobre a riqueza deveria ser global. Voltaremos a ele no fim da crónica.

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Antes disso, gostaria de notar duas coisas.

Muita gente tem discutido as “leis” de Piketty como se fossem leis da física, mas o método e abordagem dele são típicos de um historiador. Na verdade, sabemos pouco sobre a evolução da desigualdade na história humana, e para compilar a base do seu trabalho, Piketty passou muitos anos mergulhado em fontes históricas das mais diversas. Aquela teoria económica não seria possível sem esse labor historiográfico, hoje muito desprezado por alguns economistas.

Em segundo lugar (e talvez porque sou em geral cético em relação a quaisquer “leis da história”) não penso ser necessário ter descodificado “a contradição central do capitalismo” para que a desigualdade nos preocupe. Se o contributo teórico sólido é importante, não deixa de ser por razões morais que a resposta política à desigualdade deve ser preparada.

É nesse sentido moral que a proposta política de Piketty merece ser levada a sério, e que combatamos por ela. Um imposto mundial sobre a riqueza permitiria, além de diminuir a desigualdade, documentar e conhecer melhor os fluxos financeiros planetários, combater a corrupção e a lavagem de dinheiro, e regular o capitalismo global. Enquanto não chegamos lá, Piketty propõe um passo intermédio de um imposto europeu sobre a riqueza (a minha proposta, mais modesta, é de um imposto coordenado sobre multinacionais recolhido pela União Europeia e entregue aos estados-membros). Esta é uma excelente ideia, e espero que em breve ganhe adeptos nos governos europeus e de todo o mundo.

Em face da crise global, há quem queira compreensivelmente recuperar a escala nacional. O livro de Piketty vem, porém, persuadir-nos de que não há forma mais eficaz de lutar contra as desigualdades do que fazendo-o à escala global, com a escala europeia como etapa intermédia. Para o “Capital no século XXI” precisamos provavelmente de uma Internacional do século XXI.

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