A decadência de Portugal

Agora, ninguém se importa com a natureza de Portugal.

As grandes crises têm invariavelmente provocado grandes teorias sobre a “decadência” de Portugal. As teorias, como é óbvio, variaram. Mas nunca como hoje houve uma tão larga indiferença pelo nosso destino colectivo, ou seja, pela história e pela cultura, que nos trouxeram onde trouxeram.

As causas da desgraça em que vivemos e do esquálido futuro que aí vem são vagamente distribuídas por erros que toda a gente cometeu, pela intrínseca perversidade da política ou pela maléfica influência do “estrangeiro”. Sobre aquilo em que Portugal se tornou no fim do século XIX e no século XX nem uma palavra. É como se o país só existisse desde 2010, a partir do fracasso da democracia e da iminência da bancarrota.

Em 1871, Antero de Quental fazia uma conferência, parte das famosas “conferências do Casino”, em que atribuía a decadência indígena a três “fenómenos capitais”: “a transformação do Catolicismo pelo Concílio de Trento”, “o estabelecimento do Absolutismo, pela ruína das liberdades locais” e a obsessão geral com “conquistas longínquas”. Claro que os “fenómenos” de Antero não eram exactamente o que ele julgava. De qualquer maneira, serviam para “explicar” a crise portuguesa. O “despotismo religioso” imposto por Trento acabara com a liberdade de consciência e promovera a irresponsabilidade do indivíduo. O Absolutismo tornara a sociedade dependente do Estado, de quem passara a esperar a sua salvação e a temer a sua perdição. E as “conquistas” distraíam o povo do trabalho produtivo e do desenvolvimento interno.

As teses de Antero, apesar da sua manifesta fraqueza, foram o cânone da esquerda até muito tarde e inspiraram pensadores menores como o operoso António Sérgio. De facto, se diagnosticavam os males do país, também implicitamente ofereciam remédios: o anticlericalismo, a democracia e o que se veio a chamar “colonização interna”. A imagem que os portugueses tinham de si próprios (os da classe média, claro) mudou. Portugal não mudou imediatamente, excepto para pior. Mas no pensamento posterior a influência de Antero permaneceu e em parte continua a ser relevante mesmo em 2014. Só que 2014 não lhe responde. Agora, ninguém se importa com a natureza de Portugal.

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