#25deAbril ou (quase) todas as gerações terão o seu

O estudo "A Sociedade em Rede: uma década de transição" questionou os portugueses sobre quais as datas mais significativas para si e, a resposta mais referida foi o 25 de Abril de 1974.

A escolha do 25 de Abril de 1974 como principal referencia histórica, para mais de um terço dos portugueses (35%), constitui um excelente exemplo da força que esta data, passados 40 anos, ainda mantém para os portugueses. Tanto mais, que ao 25 de Abril se seguem, enquanto referências, as datas pessoais (19%) e as datas religiosas (12%).

A forma como gosto de pensar o 25 de Abril, em cada ano que passa, é colocando uma questão inconveniente a 24 de Abril. Ou seja, o que seria necessário para que "amanhã" os jovens militares de vinte ou trinta e poucos anos quisessem fazer uma revolução que tivesse a larga adesão dos jovens civis?

Há quem sugira que essa pergunta não faz sentido. Não fará sentido, dizem, porque a causa maior da revolução de Abril de 1974 foi a busca de uma ruptura com um regime não democrático. E, como hoje há democracia, então não poderá haver um novo 25 de Abril no século XXI.

Mas, talvez essa visão encerre alguma soberba e esteja demasiado certa de si mesma. As pessoas mais jovens, normalmente contra toda a racionalidade apontada pelos mais velhos, fazem coisas conotadas como impossíveis até ao momento em que são realmente concretizadas e criam novas normalidades.

Por isso, podem sempre surgir (e surgirão) outros #25deAbril, diferentes do de 1974 e que, por isso mesmo, não parecerão um 25 de Abril até que alguém, algum dia, diga que essa semelhança existe, que está lá.

Hoje não há, e previsivelmente não haverá no futuro próximo, uma guerra nos territórios administrados pelo Estado Português, tal como a que existia em 1974, nos denominados territórios ultramarinos, mas há uma forte crise económica, como aquela vivida então em 1974.

Tal como em Abril do ano de 1974, também hoje há forte desemprego e forte emigração dos mais jovens – excepto que hoje não se vai a “salto” vai-se em low cost.

Não há hoje censura, mas há desigualdade extrema no acesso à informação. Porquê? Porque só os que possuem maiores competências educacionais podem verdadeiramente aspirar a possuir alguma autonomia informativa.

Há hoje uma censura pela quantidade, surgida a partir da impossibilidade de encontrar o que se precisaria de saber. Seja, porque se tem de encontrar algo entre os milhar de milhões de páginas da Internet, ou porque falta algo para produzir o jornalismo necessário para dar visibilidade às perguntas incómodas que importa colocar aos mais poderosos.

Não há polícia política nacional, mas há sistemas globais de escuta aos nossos telemóveis, mensagens de email ou qualquer outro tipo de comunicação que façamos na Internet. Tanto as nossas ideias políticas quanto a nossa vida do dia a dia podem ser (e serão em algum momento) escrutinadas por diferentes entidades do Estado em algum lado.

Hoje, tal como ontem, a nossa reserva e a nossa privacidade podem ser violadas sem que quem o faz seja devidamente controlado pelo poder judicial ou pelo outro Estado que não aquele Estado que tem como função espiar o cidadão.

Há também outra coisa semelhante entre o “ar do tempo” do nosso tempo e o “ar do tempo” do ano de 1974. Hoje, tal como então, os mais jovens aperceberam-se que, no actual sistema, a mobilidade geracional está esgotada. Ou seja, os filhos dificilmente conseguirão viver melhor do que os seus pais conseguiram face aos avós dos primeiros.

O que verdadeiramente diferencia o nosso tempo do tempo de há quarenta anos, é que este é o momento histórico onde as gerações com menos de 25 anos, as com menos de 50 anos e as com menos de 75 anos convivem em grande número. A sociedade portuguesa é hoje uma sociedade multigeracional porque envelheceu.

Convivem, no mesmo tempo histórico, os que fizeram revoluções (porque era preciso fazer algo), os que não precisaram de fazer algo (porque outros fizeram por eles) e os que não se decidiram ainda sobre se será, ou não, necessário fazer algo mais drástico para que isto mude.

Poderá num amanhã próximo haver de novo uma revolução em Portugal? Sinceramente, não sei. E a razão para a falta de resposta é simples: não posso prever o futuro. Porquê? Porque já não tenho vinte e poucos anos, a idade em que se pode prever o futuro. Se têm dúvidas, perguntem a quem viveu o futuro no dia 25 de Abril de 1974 e tem hoje sessenta ou setenta anos.

Gustavo Cardoso é docente do ISCTE-IUL em Lisboa e investigador do Centre d'Analyse et Intervention Sociologiques (CADIS) em Paris

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