Uma subvenção vitalícia por debaixo da mesa?

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As subvenções vitalícias dos ex-políticos, que podem ser acumuladas com salários privados (ou mesmo com salários públicos, como acontece na Madeira e como faz Alberto João Jardim), são uma imoralidade e um escândalo. Já sabemos que as subvenções vitalícias foram abolidas em 2005, mas os ex-titulares de cargos políticos que já tinham adquirido esse direito antes da sua abolição e que dele beneficiaram e continuam a beneficiar (ou os actuais titulares que o vão solicitar por terem adquirido esse direito antes de 2005) representam a pior face que a política tem para oferecer aos cidadãos. São a imagem de uma política praticada em benefício dos políticos que a exercem e não ao serviço do povo que ela deve servir.

Penso que a República deve ser generosa com os seus servidores. Mas essa generosidade deve ser exercida dentro de um estrito critério de equidade. Não me chocaria que um deputado ou um ministro que tivesse servido oito anos no seu posto ganhasse, por essa missão, o direito a uma reforma integral sobre o seu último salário como político. Mas é evidente que esse benefício deveria apenas poder ser usufruído após a idade de reforma ou em caso de doença ou invalidez que o incapacitasse de prover ao seu sustento. Tratar-se-ia de uma benesse, sem dúvida, a título de agradecimento pelos serviços prestados, que garantiria algum conforto na velhice a quem tivesse ocupado um cargo político, mesmo que depois disso não tivesse conseguido um único trabalho remunerado. Mas admitir que pessoas capazes de trabalhar e que mantêm uma intensa actividade profissional possam usufruir desta subvenção e acumulá-la com salários por vezes generosos a partir do momento em que abandonam o seu cargo político é mais do que chocante: é vergonhoso.

As pensões visam satisfazer as necessidades de quem já não pode trabalhar. Não podem ser suplementos salariais para os privilegiados. E o trabalho político apenas deve ter como compensação, além do justo salário durante o seu exercício e da justa reforma quando já não se possa trabalhar, o reconhecimento dos cidadãos.

Os actos da República devem obedecer a um outro requisito: o da transparência (por que é preciso repetir isto tantas vezes?). É absolutamente inadmissível que o Parlamento não esclareça imediatamente e com clareza quem beneficia de quê desde quando e quem solicitou que subvenções. O Estado não pode fazer pagamentos por debaixo da mesa nem os deputados receber subvenções às escondidas. Há algo que muita gente na política (curiosamente costumam estar no aristocraticamente chamado "arco do poder") continua a não perceber: os políticos devem prestar contas aos cidadãos. E não apenas na altura das eleições. O dinheiro que o Estado usa é o nosso dinheiro. É o nosso dinheiro que paga estas subvenções vitalícias. E, acima de tudo, é a nossa vontade que dá legitimidade aos actos do Estado. Sugerir que existe alguma razão do foro da protecção da vida privada que impediria a publicação destes dados é disparatado (tanto mais que dados sobre milhares de pensionistas, reformados e recipientes de subvenções são diariamente publicados em documentos oficiais públicos). E dizer que a não publicação dos nomes dos deputados se deve a uma "orientação" da Comissão Nacional de Protecção de Dados é falso, pois a própria CNPD já afirmou que "nunca se pronunciou sobre a divulgação dos nomes dos deputados que solicitam à Assembleia da República a subvenção mensal vitalícia ou o subsídio de reintegração." As subvenções vitalícias não se recomendam pela sua justiça, mas este baile de desmentidos ainda menos prestigia o Parlamento.

A relutância da AR percebe-se até um certo ponto. Todos os portugueses perceberam que a subvenção vitalícia cheira mal e os deputados pensam que é feio recebê-la. Mas a transparência da vida de um deputado faz parte dos ossos do ofício. Se estes deputados consideram que há algo de vergonhoso em pedir a subvenção vitalícia... não a peçam. Se não consideram, peçam-na, admitam-no e permitam a devida publicação da informação pelo Parlamento.

As subvenções vitalícias estão longe de ser, aliás, as únicas coisas bizarras na remuneração dos políticos em Portugal. Também temos um Presidente da República pensionista, que prescindiu do seu salário de PR para continuar a beneficiar de duas pensões cujo total era mais generoso. E temos uma Presidente da Assembleia da República que prefere igualmente receber uma pensão em vez do seu salário, por este ser inferior àquela. Ambos têm a lei do seu lado. Mas, ao preferir os dois mil euros suplementares da pensão (que não deviam receber) ao salário (que deviam receber) pelo exercício dos cargos que efectivamente ocupam, ambos contribuem para o descrédito da política e para o desprestígio das suas funções.

Precisamos de titulares de cargos públicos bem pagos (sim, penso que o PR, a presidente da AR e os deputados deviam ganhar mais), mas eles devem retirar do exercício das suas funções gratificação suficiente, para não se deixarem seduzir pelos dois mil euros suplementares a que têm direito caso invoquem outro estatuto que não o de dirigente político eleito. Não é digno. Não é bonito.

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