Teixeira Pinto perdeu a guerra, o BCP perdeu a inocência

Jardim Gonçalves venceu. Mas deste conflito fica uma mensagem importante: a voz e o poder dos accionistas não podem ser subestimados

Depois da última assembleia geral, em que os accionistas "rebeldes" aceitaram retirar todas as propostas que queriam colocar à votação do plenário, Paulo Teixeira Pinto percebeu que era o elo mais fraco no BCP e usou a honra e a dignidade que lhe restavam para sair pelo seu pé.Fez bem. Este desfecho é o que melhor serve o banco - accionistas, clientes, trabalhadores -, permitindo a normalização da gestão, agora liderada por Filipe Pinhal, o genuíno número dois de Jorge Jardim Gonçalves.
Se queremos um derrotado, ele é então Teixeira Pinto. E a procura de um vencedor leva-nos inevitavelmente a Jardim Gonçalves.
Mas é precipitado pensar que este conflito foi apenas um parêntesis feio e pouco edificante na vida do banco e que, a partir de agora, tudo regressa ao ponto inicial, quando o líder fundador passou o testemunho a Teixeira Pinto.
Se alguma coisa de substancial foi posta em causa durante esta guerra, foi o modelo institucional com que o BCP foi criado e com o qual funcionou até há alguns meses: o verdadeiro centro de poder está nos órgãos de gestão e de supervisão internos e não na assembleia geral, onde os accionistas têm voz proporcional ao seu investimento na instituição.
Mais do que tudo o resto - divisões dentro da administração ou divergências sobre alianças estratégicas com a Sonangol - é a corrupção deste modelo que Jardim Gonçalves combate e que se recusa a aceitar.
Isso ficou bem claro na entrevista que, há cerca de um mês, deu ao PÚBLICO, quando estávamos à porta na assembleia geral que foi interrompida por problemas informáticos. "Não há uma divisão, o que há é um facto novo. Há umas pessoas que terão umas acções e que apresentaram uma proposta. Nunca isso aconteceu no banco. Por isso é que o Conselho Geral e de Supervisão [que o próprio lidera] considerou a AG inoportuna". Este "facto novo" de que Jardim Gonçalves fala com manifesta estranheza e aversão representa o fim da idade da inocência do BCP. Acabou a pureza do modelo que o fundador manteve intacto durante 20 anos, no qual assentou o seu poder incontestado.

Este é um dado novo com que o BCP vai ter que lidar. Uma sociedade com o capital aberto ao público, com uma base estreita de accionistas estratégicos e onde qualquer um pode investir (desde que tenha dinheiro), não pode ver o demónio em propostas que são feitas por quem apostou na instituição. Ainda que essa intervenção seja feita sem pedir licença ao presidente do banco ou que os interesses dos accionistas desalinhados sejam pouco condizentes com a "cultura" histórica do banco.Este é o preço que se paga pela imitação democrática do capitalismo - mil acções, um voto. É possível mandar num banco cotado em bolsa sem estes contratempos? É. Comprando mais de 50 por cento do capital.
Não podemos é pretender viver eternamente no melhor de dois mundos, investir pouco e mandar tudo, ainda que isso possa ser favorável ao desenvolvimento da instituição.
Ninguém pode antecipar se nos próximos meses vai acontecer uma recomposição accionista no BCP. Mas os acontecimentos dos últimos meses mostraram a fragilidade do equilíbrio accionista do maior banco português e a vulnerabilidade a que o seu desenvolvimento estratégico está sujeito quando o centro de poder é pouco claro ou é desafiado abertamente.
Depois de vencer a guerra com Paulo Teixeira Pinto e com os investidores que o apoiaram, Jardim Gonçalves tem pela frente a tarefa maior de construir um novo equilíbrio. Aceitar que os accionistas têm voz - ainda que não os conheça ou que não tenham sido por si escolhidos - é um bom começo para essa tarefa. Paulo Ferreira

PS No meio da tempestade, o BCP deixou um marco que merece ser aplaudido: foi a primeira empresa cotada portuguesa a permitir que os jornalistas assistissem, em directo e na íntegra, a uma assembleia geral. A transparência perante accionistas e clientes e a qualidade da informação ficaram a ganhar.

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