Tatuagens

Foto

a Vi há dias, na praia, uma mulher que tinha a coxa esquerda toda tatuada, do quadril ao joelho, com algo que me pareceu ser um motivo floral: ela estava longe e, por isso, não consegui enxergar os pormenores da tatuagem, mas percebi os tons de verde, dominantes, de vermelho e de amarelo do espampanante desenho. Tanto quanto me pareceu, a mulher tinha um corpo relativamente bonito, mas creio que não erro muito se afirmar que a coxa tatuada era o que atraía mais atenções.Não aprecio particularmente as tatuagens. Quando vejo pessoas com grandes superfícies do corpo cobertas de tinta, tenho mesmo o estranho impulso de tentar imaginá-las já velhas e flácidas, com os arabescos e desenhos deformados pela idade e pelas rugas. A imagem que daí resulta é aterradora: um corpo em ruínas no qual lateja um elemento estranho e gritantemente deslocado que apenas sublinha a decrepitude do conjunto. Tendo em conta, porém, a moda que por aí grassa, com exércitos de futebolistas, músicos e motoqueiros, mais os respectivos imitadores, ostentando com inexplicável orgulho as horrendas tatuagens, o que imagino para o futuro é particularmente assustador e muito pouco pulcro.
Essa gente vai provavelmente envelhecer, perder mobilidade, ficar entrevada e ver-se obrigada ao uso constante de algálias e arrastadeiras. Vão passar longos períodos em ambiente hospitalar, ressequir em lares de terceira idade, perder a noção do mundo em volta e ganhar chagas no corpo após longos meses de imobilidade numa cama. E, durante esse período das suas vidas, vão ser assistidos por enfermeiros, voluntários, entes queridos e assistentes sociais, os quais serão quotidianamente agredidos pela imagem desses corpos murchos, estropiados e cobertos de tinta, dos quais, às vezes, surtirão coisas muito sinistras, caveiras e serpentes, anjos alados, cruzes celtas, símbolos góticos, diabos, cristos crucificados, corações trespassados por punhais, dragões voadores, unicórnios e eu sei lá mais o quê.
Penso nisto e, para ser absolutamente sincero, não sei de quem tenha mais dó, se dos pobres assistentes que os vão voltar na cama, lavar e limpar as excrescências dessa futura multidão de decrépitos tatuados, se dos próprios, inertes e apodrecendo com a mesma chocante indignidade que há numa boca cheia de dentes podres entre os quais fulgura o brilho excessivo e deslocado de um pivot dourado. Olhei uma última vez a mulher da coxa tatuada, que já se vestia para abandonar a praia, e concluí que ficava bem mais bonita com a blusa branca e a saia vermelha que lhe ocultava o rocambolesco desenho; que, não sendo particularmente bela, parecia, assim vestida, uma pessoa comum e, portanto, perfeitamente capaz de envelhecer com a dignidade que nos é devida e sem o vexame de ter que ostentar na pele a réplica de uma toalha de linóleo. Penso nisto e pergunto-me se não estarei a envelhecer depressa de mais e se não me seria também conveniente tatuar no peito uma selvagem e vigorosa cabeça de leão.

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