Reverter a favor

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O ódio pela maneira como usam as palavras quase nunca resulta. Mas sabe bem. E algures fica registado, putativamente apreensível por algum futuro linguista de pendor arqueológico, que até ignorantes como eu, diariamente corrigidos, desconfiaram de certos usos.

Arrepia-me, por exemplo, a mania do "reverter a favor". É usado por empresas e empreendimentos que nos querem vender coisas e acontecimentos, anunciando que o preço, que seria nove ou dezanove euros, caso não houvesse "reversão", será dez ou vinte euros, "revertendo a favor" de uma causa boa, um ou dois euros, que é dez por cento. É tão paternalista como estupidificante o uso de "reverter". Reverter, nos dicionários, é retroceder; regressar; redundar. A empresa de piscinas que assegura que dez por cento do que cobra "reverte a favor" do Instituto de Socorro a Náufragos (ISN) está a vender piscinas com a promessa de "devolver" ao ISN dinheiro que nunca teve.

O insulto, sobretudo, é que é preciso comprarmos qualquer coisa ou serviço, para contribuirmos para uma boa causa. Implica que somos incapazes de contribuir directamente. O verbo reverter é usado para tentarem convencer-nos de que é preciso comprarmos uma tenda cara para a empresa que fabrica as tendas desviar o que pagámos a mais para o World Wildlife Fund.

"Reverter a favor" é uma maneira de nos enganar. É uma fraude semântica. É um truque do capitalismo. Temos de rejeitar o verbo, tal qual é, maleficamente, utilizado.

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