Processo Retro- -ortográfico Sem Curso

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2012 foi em Portugal um ano em que se multiplicaram as greves, as manifestações, os protestos, por vezes com violência. A agitação social terá sido a maior desde os (não) saudosos tempos do denominado PREC ("Processo Revolucionário Em Curso"). Compreensivelmente, contestou-se o aumento dos impostos, a diminuição dos salários, o crescimento do desemprego, o agravamento das condições de vida, enfim, a austeridade. Inevitável, dada a situação de falência do Estado causada pelos (des)governos do Partido Socialista chefiados por José Sócrates...

... Contra os quais se esperaria que as multidões dirigissem principalmente, preferencialmente, a sua fúria, e não apenas contra a coligação entre o Partido Social Democrata e o Centro Democrático e Social, contra o Governo liderado por Pedro Passos Coelho que aquela suporta, e contra a troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional), entidades que, afinal, são as que garantem que Portugal ainda esteja em "funcionamento", apesar de enfraquecido. Os que protesta(ra)m querem mesmo mandar embora aqueles que agora nos dão o dinheiro? Foi pois com surpresa que se assistiu a concentrações consecutivas unicamente em Belém e em São Bento... mas não no Largo do Rato, onde se situa a sede nacional do PS, e não em frente ao Palácio Ratton, sede de um Tribunal Constitucional que vela pela vigência de uma "lei fundamental" arcaica, que impõe directivas insustentáveis e que impede uma verdadeira modernização do país... porque obriga à manutenção, e consolidação, de um Estado social(izante), abusador, desmesurado, gastador, intrometido em cada vez mais áreas de actividade e condicionando - financeiramente, e não só - a liberdade e a iniciativa dos indivíduos, das instituições privadas, da sociedade civil. Um Estado que também se sente cada vez mais à vontade para (tentar) concretizar absurdos injustificáveis e intoleráveis...

... O maior dos quais é, obviamente, o denominado "Acordo Ortográfico de 1990". Seria de perguntar a todas as centenas, a todos os milhares que grita(ra)m nas ruas contra as decisões do actual Governo se também... escrevem contra a (continuação da) aplicação do AO90 - uma decisão específica, concreta, daquele. Seria de perguntar a todos aqueles que, sem qualquer noção do ridículo de que se cobrem, se insurgem contra a (eventual) privatização da RTP e/ou alienação de um dos seus canais, classificando tais hipóteses como "inconstitucionais" ou "sem igual em toda a Europa", se não consideram igualmente, e mais ainda, contra a constituição - a da "República Portuguesa" ou qualquer outra - e indigna de uma nação do Velho Continente a alteração leviana de algo tão básico na identidade, na estrutura, na actividade de um país como o é a ortografia, alteração essa que se traduz num autêntico "Processo Retro-ortográfico Sem Curso".

Enfim, é de perguntar a todos aqueles que sugerem, ou acusam mesmo, os actuais governantes de serem "fascistas" e que os ameaçam com hipotéticos golpes militares, se: antes de mais, sabem ou se lembram como é que era, e o que implicava, o verdadeiro fascismo, mais concretamente a sua versão portuguesa salazarista-marcelista; e se eles próprios exercem o mais básico acto de antifascismo que é... não escrever segundo o "aborto pornortográfico". Que é, mesmo, neofascista e neocolonialista; os seus criadores, os seus proponentes e defensores são, mesmo, neofascistas e neo-colonialistas. Quem tem dúvidas pode dissipá-las ouvindo Fernando Cristóvão numa entrevista concedida em 2008, que esclarece o que pensam os "acordistas" sobre o processo legislativo num regime democrático - em que, supostamente, as leis não são dogmas nem mandamentos, e, logo, são alteráveis e revogáveis - e a independência, a soberania - cultural e não só - dos países africanos de língua oficial portuguesa: "(...) Porque é que Angola também não há de ter uma ortografia diferente? E porque é que Moçambique qualquer dia não...? E a Guiné, lá por ser pequenina, não há de ter uma ortografia? Onde é que nós vamos parar? (...) O acordo tem de se fazer porque nós temos duas ortografias, não podemos continuar assim, e a continuar assim qualquer dia temos cinco ou seis. Qual é a língua que resiste a tanta ortografia? [O Francês, que tem 15, e o Inglês, que tem 18!] (...) Confesso que, perante a urgência de haver uma ortografia unificada, eu não entendo como é que há tanta teimosia em querer emendar uma coisa que ainda por cima é uma lei. (...)"

Depois disto, ainda acreditam em "25 de Abril sempre?" E escrevem "Abril" com "A" maiúsculo ou minúsculo?

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