Portugal depois da troika

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Uma das características que mais têm marcado a participação de Portugal no processo de integração europeia desde a adesão, e uma das que mais explicam a actual situação económica e financeira, e muitas das opções que foram sendo tomadas, é a progressiva substituição das nossas apostas sectoriais e opções nacionais de desenvolvimento pela transposição, e assunção mimética, para Portugal, do conjunto de estratégias adoptadas ao nível europeu. A outra é o aumento crescente da permeabilidade das estruturas de governação nacionais relativamente ao modo de relacionamento com a União Europeia e para com o projecto europeu.

A carta reivindicativa de Portugal na União Europeia resumiu-se, nos últimos 26 anos, quase exclusivamente, à salvaguarda das condições necessárias para que não se comprometesse a vinda dos financiamentos dos fundos comunitários, a que em crescente contexto de dependência o país se habituou, e a cujo acesso sempre esteve disponível para tudo sacrificar. Embora esses apoios tenham sido reconhecidamente indispensáveis para o nosso processo de desenvolvimento, o que estava em causa era muito mais do que isso. Era sobretudo saber o que pretendíamos do projecto europeu e o lugar, e papel, que nele queríamos assumir. E, também, como aproveitar a oportunidade histórica, talvez irrepetível, de rentabilizar e canalizar montantes financeiros tão expressivos, para afirmar Portugal como um país do Primeiro Mundo.

O desmantelamento de sectores económicos estratégicos relativamente aos quais Portugal dispunha de vantagens, competitivas ou comparativas, e a oscilação intermitente, e muitas vezes errática, com que foram promovidas as opções de apoio a produtos e a sectores, quase exclusivamente em função do que era objecto, ou não, de subsídio europeu em cada momento concreto, era tão claramente óbvio que só poderia vir a ter um preço demasiado alto.

Uma das razões que estão na base deste nosso modelo de relacionamento com as questões europeias decorre do entendimento de que a nossa integração no processo europeu, caracterizado por uma dinâmica e instituições próprias, uma agenda política própria, e opções estratégicas e políticas sectoriais, nos dispensaria de ter políticas públicas nacionais.

Pura ilusão, face ao que era imprescindível decidir e escolher. Desde o início que era evidente que o facto de existir, por exemplo, a Política Agrícola Comum e a Política de Coesão, no quadro da União Europeia, não nos poderia dispensar de ter uma política agrícola nacional e uma política regional nacional - ao contrário, tornava a sua existência ainda mais necessária. E o mesmo se aplica a outras políticas públicas, como a política industrial, a política comercial, a política de pescas e mar e a política económica.

A segunda razão resulta do facto de Portugal ter escolhido um caminho diferente no que diz respeito ao seu modelo de relacionamento com as instituições europeias. Muitos Estados-membros procuraram equilibrar a progressiva transferência de competências nacionais para a União Europeia, com uma também crescente transferência de competências para as suas estruturas regionais - de forma a criar mecanismos para retenção de alguma soberania nacional nos processos de tomada de decisão e para melhor amortecer os impactos das decisões europeias nas respectivas economias e territórios. Portugal optou por um modelo de relacionamento não assente no reforço dos processos de decisão de 2.º nível, isto é, regionais, muito colado às decisões e agendas europeias, mais exposto ao impacto das decisões da União e com menor potencial de adaptação.

E os nossos desígnios nacionais ficaram assim como que suspensos no entendimento de que os objectivos da União Europeia esgotariam os nossos. No esforço de sermos mais europeus do que talvez alguma vez fomos, e de integrarmos uma estrutura em que nos imaginámos como pares. Não compreendendo que tal só será possível alcançar, um dia, através do nosso próprio desenvolvimento económico e civilizacional.

Por onde andou Portugal? E no que é que hoje, para além de sobrevivência e sacrifício, Portugal pensa? A história confronta-nos de novo com um momento de especial exigência. O Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal gerou um quadro particularmente doloroso a que importa dar resposta, desde logo, cumprindo os compromissos assumidos, mas também começando a construir, desde já, o país que queremos ser depois de a troika se ir embora, e antes que por cá já nada reste senão austeridade.

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