Para recuperar a democracia

Um dos aspetos onde há quase unanimidade entre os comentadores e analistas sobre o caso Miguel Relvas é que ele é o homem forte do PSD, quem controla o aparelho do partido que levou Passos Coelho à liderança do PSD e consequentemente a primeiro-ministro. E decorre deste facto que o poder do atual primeiro-ministro está de alguma forma dependente do poder de Miguel Relvas.

Jorge Coelho no PS era reconhecido também como o homem que dominava o aparelho do PS, quem conduziu José Sócrates à liderança do PS, tendo por isso uma enorme influência sobre este.

Este tipo de homens fortes do partido e aparelhos que levam ao poder os nossos primeiros-ministros são uma deformação da nossa democracia. A sua ascensão teve origem no facto de nos últimos 25 anos os nossos dois principais partidos terem-se esvaziado de militantes capazes de exercer uma cidadania escrutinadora dentro destes partidos, e claro, de se constituírem como a grande maioria eleitores que votam nas suas eleições internas. Com toda a facilidade estes "homens fortes" e "aparelhos" conseguiram reunir alguns milhares de votos (através de recrutamento de "pseudomilitantes" ou troca de favores) suficientes para dominar as mais importantes eleições internas partidárias.

Decorre deste facto que este "sistema" consegue exercer um poder enorme sobre estes líderes partidários e consequentemente os nossos primeiros-ministros, que se traduzem em favores e proteção especial a que estes se sentem obrigados, muitas vezes contra o interesse público.

Incompreensivelmente, este fenómeno enraizado nos nossos dois principais partidos, tornou-se uma quase normalidade aceite por quase todos os comentadores e agentes políticos. E no entanto, esta é uma realidade que perverte a democracia e que contribuiu para a situação em que hoje se encontra o país, gerando uma enorme desilusão dos cidadãos com a nossa democracia.

Esta anormalidade democrática deve acabar e pode acabar. O poder que os "homens fortes do partido" e "aparelhos" têm nas eleições internas partidárias deve ser substituído pelo poder de uma imensa maioria de cidadãos-filiados que participam nas eleições internas partidárias, passando a ser estes quem verdadeiramente escolhe os dirigentes, candidatos e lideranças partidárias (e candidatos a primeiro ministro), de uma forma livre, democrática e transparente. Trata-se de recuperar a dimensão cidadã na vida dos nossos principais partidos.

Para tal acontecer, é fundamental que todos os cidadãos que se reveem de alguma forma nestes dois partidos percebam que é da sua exclusiva responsabilidade e dever cívico aderir, intervir e principalmente votar nas eleições internas dos nossos principais partidos, para que estes possam ser dotados de uma imensa maioria de militantes que sejam cidadãos informados, com vida e profissão fora do partido, e portanto independente de interesses, aparelhos ou grupos. Só dessa forma poderemos ter partidos, lideranças partidárias e primeiros-ministros livres do domínio de aparelhos e homens forte do partido, verdadeiramente disponíveis para servir o país e defender o interesse público.

Sugerir correcção