Palestina no caminho das Lajes

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A Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) aprovou, no dia 29 de Novembro, uma resolução que prevê a mudança de estatuto da Autoridade Palestiniana para "Estado observador não-membro". A votação ocorreu, justamente, no dia em que, no ano de 1947, o mesmo órgão da ONU aprovou a implementação do Plano de Partição da Palestina, que previa a criação de dois Estados - judeu e árabe - independentes.

Este processo diplomático teve início em Setembro de 2011, com a apresentação de um pedido da Autoridade Palestiniana (AP) para adesão como membro de pleno direito da ONU, o que implicaria um reconhecimento internacional de soberania. Perante o fracasso desta iniciativa, decorrente do anunciado veto americano no Conselho de Segurança, a AP apresentou a candidatura a membro da UNESCO, que foi aprovada, em Outubro de 2011, com os votos favoráveis de 107 membros (entre os quais a China, a Rússia, a França, a Espanha, a Índia e o Brasil), 52 abstenções (como o Reino Unido, a Itália e Portugal) e 14 votos contra (Israel, Estados Unidos, Alemanha e Canadá, entre outros). Perante esta decisão, a AP decidiu insistir na iniciativa junto da Assembleia Geral, agora para alteração do atual estatuto de observador permanente, o que implica apenas a votação por maioria e dispensa aprovação pelo Conselho de Segurança. Na prática, esta alteração implica a atribuição de um estatuto semelhante ao do Vaticano - único membro com esta designação - e a possibilidade de participação regular nos trabalhos da Assembleia Geral, bem como de adesão a outras agências da ONU.

Esta iniciativa diplomática palestiniana, firmemente rejeitada por Israel com o apoio dos Estados Unidos, ocorre num momento complexo no Médio Oriente. No rescaldo de mais um conflito entre Israel e o Hamas, e de um acordo de tréguas particularmente frágil, com as negociações entre israelitas e palestinianos interrompidas há vários anos e com diversos Estados da região - incluindo o Egipto - em processo de transformação política, poucos acreditam em resultados que "ressuscitem" o processo de paz. Na verdade, mais do que a aposta no reinício de negociações, o Presidente Mahmoud Abbas joga a sua sobrevivência política. A um afastamento crescente entre a Cisjordânia (controlada pela AP e pela Fatah) e Gaza (dominada pelo Hamas), acresce uma significativa contestação à liderança de Abbas - que há muito expirou o seu mandato -, apenas compensada por importantes desenvolvimentos económicos na Cisjordânia. Num momento em que as revoltas populares se multiplicam na região, é fundamental à liderança da AP apresentar resultados diplomáticos que permitam minorar o aproveitamento pelo Hamas de uma posição fortalecida pelo acordo de tréguas com Israel.

É, aliás, este o principal argumento dos que apoiam a iniciativa palestiniana na ONU: apoiar a estratégia diplomática de Abbas é reconhecer o esforço da "moderação", em detrimento de uma estratégia de radicalização e conflito armado. Entre outros, é este o argumento do Governo português, que votou favoravelmente à alteração do estatuto da AP na Assembleia Geral da ONU.

Portugal, membro da União Europeia (UE) mas igualmente empenhado no vínculo transatlântico, assume desta forma uma posição que não foi consensual na UE - onde 11 dos Estados-membros optaram pela abstenção, entre os quais a Alemanha e o Reino Unido - e muito menos alinhada com os interesses norte-americanos. A decisão do Governo português foi conhecida após o último Conselho da UE, a duas semanas da votação em Nova Iorque.

O conflito israelo-palestiniano não tem ocupado uma posição central na política externa portuguesa. Portugal tem mantido uma posição favorável ao processo de paz e diálogo entre israelitas e palestinianos, com base na solução de "dois Estados", tal como os seus parceiros europeus e os Estados Unidos. Ao longo dos últimos anos, desenvolveu uma política mais ativa, primeiro com a Presidência Portuguesa da UE, em 2007 - em que participou na Conferência de Annapolis, a última iniciativa internacional para o processo de paz - e depois com o seu mandato no Conselho de Segurança, que termina no final deste ano. Os responsáveis da diplomacia portuguesa têm reafirmado o compromisso para com a defesa do processo negocial, bem como a crítica à construção de colonatos, tal como os parceiros europeus e norte-americanos. Porém, a evolução de um voto de abstenção, no quadro da UNESCO, para um voto favorável no quadro da Assembleia Geral, não deixa de ser surpreendente. Para além do argumento de recompensa à estratégia diplomática e moderada de Abbas, é critério do Governo português que esta posição reforça o potencial papel da UE no contexto do Médio Oriente, uma região fundamental à segurança europeia. Porém, este critério depende de que a mesma orientação seja seguida por uma maioria significativa dos Estados-membros da UE.

Importante significado tem, também, a definição de uma decisão política discordante com as iniciativas norte-americanas na matéria. Se uma abstenção seria conciliável com a estratégica americana, uma votação favorável - mais de dois terços (138) dos membros da Assembleia Geral votaram a favor - deixa os Estados Unidos mais isolados numa matéria particularmente sensível na política internacional. Não é a tradição na política externa portuguesa, mas o momento de tensão nas relações luso-americanas pode ser relevante. Afinal, a História demonstra a importância das Lajes no caminho entre os Estados Unidos e o Médio Oriente.

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