Os intelectuais

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Há muito tempo que, nas sociedades contemporâneas, se assiste a manifestações de um anti-intelectualismo primário, favorecidas pelo parecer de que não há necessidade de sairmos de uma certa passividade e bonomia. A malfadada crise veio alterar esse quadro.

No suplemento Ípsilon (5 de Agosto) deste jornal reflectia-se sobre as condições que estariam a proporcionar o regresso, em termos de maior visibilidade pelo menos, dos intelectuais aos palcos públicos, como sintoma de um mundo onde é necessário, outra vez, não ter medo de pensar, de entender e de criar condições para o surgimento de novas ideias, como contraponto ao agir desenfreadamente, em círculos.

No último número da revista francesa Les Inrocktibles, a questão volta a ser colocada, desta vez através de uma reflexão sobre qual o lugar do intelectual na polis, no contexto das nossas sociedades. Deve ele assumir-se como actor político ou deve apenas reservar-se à produção teórica, a intervir nos poucos espaços públicos que lhe sejam reservados ou, por exemplo, assinar petições colectivas?

No século XX, principalmente em França, impôs-se essa figura clássica do intelectual comprometido com um ideário político ou, pelo menos, com vontade de agir directamente sobre o mundo (Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Camus, Zola). O contacto com as ideologias totalitárias (fascismo e comunismo) fez cair em desgraça algumas dessas figuras, mas a verdade é que o mundo pós-ideológico e pós-político saído da queda do muro de Berlim, com a política reduzida a mera administração social, também soçobra hoje em dia.

Vive-se um momento liminar, de transição, sem que ninguém saiba muito bem para onde vamos. Talvez por isso os intelectuais pareçam tão necessários hoje. Não exactamente para, narcisicamente, nos apontarem um qualquer caminho, mas para, face à fragilização do político e da desilusão face ao poder, agirem em conjunto com os cidadãos, proporcionando pensamento para um momento emocional.

Mais do que qualquer compromisso político, no sentido clássico, talvez o papel dos intelectuais, neste quadro, seja o de mostrar que comprometidos estamos todos, navegando no mesmo barco, interdependentes uns dos outros, sem excepções. Habitamos todos o mesmo mundo e queremos ser compatíveis. O único privilégio do intelectual é poder dar uma forma a essa condição através do seu discurso. Intervindo. Agitando. Não confiscando a palavra, mas dando-a a todos. Favorecendo um movimento intelectual colectivo.

Para isso suceder não é apenas a rua que tem de mudar, mostrando-se mais disponível para ouvir os intelectuais. São estes também que têm de o fazer, debatendo, abertamente, na rua. E para isso acontecer talvez seja necessário um outro tipo de discurso - intelectual sem ser necessariamente académico, popular sem ser populista, denso sem deixar de ser totalmente inteligível. E isso é possível. Já está a acontecer em muitos contextos. Basta estar disponível para o perceber.

Jornalista

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