O "pastel"

Durante os primeiros 30 anos de "liberalismo", no meio de uma guerra quase contínua, os políticos portugueses sempre quiseram e sempre sonharam não com a paz mas, mais do que isso, com um entendimento geral, a que uns chamavam "fusão" (um nome destinado a durar) e outros, pejorativamente, o "pastel". De cada lado - do lado dos "moderados", que apoiavam a Carta, e dos radicais, que apoiavam a soberania popular e a câmara única - havia mais "pasteleiros" do que militantes convictos de uma "causa". E cada governo que se aguentava por uns dias na turbulência das facções se apresentava invariavelmente como a perfeita e única "fusão", susceptível de trazer a felicidade à Pátria. Mesmo que fosse à força e que nas margens persistissem em se agitar alguns grupos de irreconciliáveis.Esta aspiração renascia a cada nova crise e durou, na sua forma original, até 1865-1868 (até ao "1.º de Janeiro"), em que o último governo "fusionista" caiu perante um revolta "popular" no Porto. Dali em diante, aliás como já se experimentara desde o princípio, a fórmula preferida passou a ser a do ministério "independente" (dos partidos, claro) ou a coligação em que ninguém de consequência ficava de fora. Quando irritavam Salazar com queixas sobre a União Nacional, costumava ele perguntar o que se esperava de um país que durante um século aspirara a governos "extrapartidários" ou de "concentração partidária". E se lhe falavam dos malefícios do partido único, ele respondia que a República tinha sido um regime de partido único e o "rotativismo" monárquico um regime de partido único, cortado a meio por conveniência de serviço.
O "25 de Abril" também produziu dois partidos do "meio", que, segundo Cavaco, são "estruturantes" do regime - o PS e o PSD -, e evitou cuidadosamente incluir qualquer radicalismo, à esquerda ou à direita, susceptível de embaraçar ou alterar a regularidade da vida. Não se esperava outra coisa. A fraca "burguesia" do Marcelismo não exigia, nem suscitou um verdadeiro movimento revolucionário. E a classe média, depois directa ou indirectamente criada por um Estado inchado, endividado e paupérrimo, temia querelas que prejudicassem ou ameaçassem a sua posição funcionarial e pacata. O "25 de Abril" seguiu o caminho do costume em direcção à sua inevitável falência e o "pastel", que por aí se prepara e o dr. Cavaco aconselha, está indiscutivelmente na melhor tradição portuguesa.

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