O aprendiz de feiticeiro

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Quando os gregos pensaram em fazer um referendo ao seu segundo pacote de resgate, foi Nicolas Sarkozy, Presidente da França, que subiu ao púlpito numa cimeira em Cannes e anunciou, com jeitos de gangster, que, se os gregos quisessem democracia, não teriam dinheiro.

E foi também ele que, aproveitando a ideia alemã de um novo tratado orçamental e uma objeção britânica irrelevante para o mesmo, forçou para que este tratado fosse feito fora da União, criando assim um precedente que pode voltar para nos atormentar. Não contente, Sarkozy queria esvaziar completamente as instituições comunitárias, pôr fora de jogo o Parlamento Europeu (no que teve um sucesso total) e a Comissão Europeia (no que teve um sucesso quase total); se fosse necessário, deveriam criar-se clones destas instituições para uso privado dos governos da eurozona, ou melhor, do diretório franco-alemão. Sempre mais ambicioso, chegou a sugerir que fosse criada uma câmara parlamentar da eurolândia, é claro que com representantes na maior parte dos casos controlados pelos governos.

Sarkozy é um daqueles homens que, em vista de uma ideia má, consegue torná-la sempre numa ideia perigosa. A sua visão da Europa é nacionalista ou, para ser mais preciso, imperial. Nela, os pequenos países não têm qualquer autonomia, e os grandes devem estar com o império, ou fora. O império possível para ele foi o euro, que tentou ao máximo usar como uma plataforma contra a União, que tem instituições chatas, países renitentes, e direitos de que ele foi o maior inimigo, como a liberdade de circulação na Europa.

Com a sua falta de sensibilidade e de sentido da história, Sarkozy não se importaria de nos atirar para um conceito da Europa cujas consequências foram tenebrosas.

Não contente com o mal que fez à União, Sarkozy está a usar as últimas semanas de campanha para fazer mal à França.

Sempre foi um disparate a ideia de que é preciso usar os temas da extrema-direita para tirar força à extrema-direita em favor de uma direita responsável. Com Sarkozy, é um disparate perigoso.

Em primeiro lugar, porque os temas não morrem. Pelo contrário, encontram a glória de serem legitimados pelo poder, isto mesmo quando não são mais do que sombras exageradas pela chama da retórica. Quando cruzamos os dados, vemos que as circunscrições em que a Frente Nacional ganha mais votos com um discurso anti-imigrante e anticrime são aquelas que têm menos imigrantes e menos crime. A "realidade" assim passou a ser aquilo que políticos oportunistas e/ou desesperados disserem na televisão.

Em segundo lugar, a suposta estratégia de cooptação dos votos extremistas nem sequer funciona. Pelo contrário, a Frente Nacional só ganhou força com a cobertura política que Sarkozy lhe deu.

E sendo Sarkozy como é, o desespero e a irresponsabilidade juntaram-se agora para o fazer abrir mais uma caixa de Pandora: declarar a compatibilidade da Frente Nacional nascida nas ruínas dos colaboracionistas durante a ocupação nazi "com a República". E assim mostrar-lhe, a prazo, a entrada para o poder. De Gaulle deve ter dado uma volta no túmulo.

Oxalá possamos, daqui a uma semana, despedir-nos deste aprendiz de feiticeiro.

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