As artes do espetáculo e o emprego artístico

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Olhando para o estado das artes do espetáculo em Portugal, dir-se-ia que perdemos muito tempo e que, nem mesmo depois do 25 de Abril, conseguimos diagnosticar os problemas e definir um rumo. O que se conseguiu nos últimos 20 anos na esfera da ciência, que foi precisamente investir em estruturas e redes de investigação, gerar emprego científico local e colocar a ciência que se faz em Portugal numa elevada fasquia, inserindo-a como interlocutor ativo na comunidade científica internacional, não teve paralelo nas artes do espetáculo. A contradição é tanto maior quanto é certo que o impulso que veio do lado da ciência criou uma dinâmica inteiramente nova também na área artística, a qual, porém, se deparou com a ausência de condições estruturais para frutificar no terreno. Nunca será demais evocar a este propósito o nome do filósofo Fernando Gil, que propôs a introdução da área de Estudos Artísticos no leque de áreas científicas a apoiar pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, em pé de igualdade com todas as outras, e o nome de José Mariano Gago, responsável pela pasta, que compreendeu essa visão larga da arte e da pesquisa artística como produção de conhecimento.

Nas nossas universidades e escolas superiores e na rede de investigação não têm faltado, pois, nem projetos, nem estímulos à pesquisa e à formação avançada em Estudos Artísticos. Os números dispararam exponencialmente, e têm-se exprimido numa espiral de internacionalização, quer no plano da disseminação dos outputs, quer no seu potencial atrativo para jovens artistas e investigadores de outros países. Nunca houve em Portugal, em processo de formação avançada - mestrado, doutoramento, pós-doutoramento -, tantos artistas e profissionais de artes do espetáculo. Onde estão, porém, em proporção, as estruturas estáveis de emprego artístico que lhes permitam desenvolver a sua atividade? Será que também aqui se trata de investir na formação de especialistas para depois os convidar a emigrar - oferecê-los de bandeja aos países que já há muito criaram os seus centros de produção artística, com potencial atrativo e potencial de "exportação", que nós não temos sabido criar?

Como diria António Sérgio, o país tem gasto rios de dinheiro em pedras-mortas, mas pouco se tem preocupado com as pedras-vivas. Falo da febre de construção de cineteatros e centros culturais: na sua maior parte, equipamentos sem alma, pensados como vazios para acolher o que vem de fora, desligados de qualquer projeto de produção e emprego artístico locais.

Como não há suficiente investimento direto no emprego artístico, e, portanto, não há massa crítica de laboratórios de produção artística em Portugal, os programadores tendem a privilegiar a importação de bens e serviços culturais. Enquanto muitas das nossas unidades de investigação na área de Estudos Artísticos já são elas próprias internacionais, quer pelo seu potencial atrativo, quer pelo seu potencial de "exportação", as potencialidades de emprego cultural local continuam longe de ser aproveitadas.

Com percentagens de emprego cultural superior a 2% (dados de 2009), os países mais desenvolvidos apostaram nele também como uma das alavancas da economia. Em Portugal, continuamos abaixo de 1%, em competição com a Roménia. A exclusão da Cultura do QREN puxa-nos ainda mais para baixo.

Não falta dinheiro do Estado e da sociedade civil para importar "êxito acumulado". Mas pouco ou nada se faz para promover o emprego artístico. É uma "estrutura de longa duração", que remonta, pelo menos, ao século XVIII.

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