A obsessão pelos rankings

Foto

Debate Qualidade no ensino superior

O ensino superior português assiste há uma década à redução contínua do financiamento público da dimensão ensino. Conjugar o aperto financeiro com as reformas dos últimos oito anos resulta na transformação do sector num mercado ferozmente competitivo de estudantes e formações. Por isso, as universidades reagem com estratégias de comunicação cada vez mais profissionais. Na esperança de recrutar uma maior parcela de candidatos, as instituições (as públicas e as privadas) usam os media para aumentar a sua visibilidade e credibilidade. Mas algumas das práticas deste marketing agressivo alimentam um jogo perigoso.

Uma táctica recorrente é a promoção dos rankings como instrumentos credíveis para aferir a qualidade de cursos e instituições. Não há mês sem notícias sobre rankings internacionais e universidades portuguesas e os seus líderes multiplicam declarações. Geralmente, divulgar resultados de uma universidade num ranking provoca outra notícia com a posição de uma concorrente noutro ranking completamente diferente, lançando um ruído insuportável no espaço público. Um mero jogo mediático de universidade contra universidade e ranking contra ranking, sem benefício para a informação do público, nem correspondência com a qualidade das instituições.

Confesso que me choca que gente inteligente com formação superior queira ver o seu trabalho avaliado por instrumentos simplistas e incongruentes, que comparam instituições incomparáveis e as listam numa hierarquia assente em critérios arbitrários, variáveis e questionáveis. Quando promovem os resultados de instituições num dado ano, estão a dizer ao público para tomar os rankings como informação fiável.

É preciso dizer que os rankings internacionais de instituições servem para se confirmarem a si mesmos.

1. Os rankings distorcem a visão sobre as universidades e impõem a realidade que descrevem. Vários investigadores denunciam as manipulações dos rankings, por exemplo, quando baseados em citações de artigos: prevalência de instituições anglo-saxónicas e benefício dos seus autores; clubes de citações de artigos ("eu cito-te a ti, tu citas-me a mim"); contratação de investigadores e prémios Nobel (mesmo que não leccionem lá) para inflacionar resultados, etc.

Um dos critérios centrais é a reputação internacional, que reforça a supremacia das organizações antigas e não reflecte a qualidade actual. Os académicos estrangeiros têm como referência as instituições com redes bem estabelecidas, mesmo que estas vivam uma dourada decadência.

Se os candidatos ao ensino superior, empregadores e financiadores de investigação tomarem estas listas como fiáveis, a descida na escala, mesmo que injustificada, pode alterar fluxos de pessoas e capitais. Uma apreciação limitada da realidade (porque a realidade é mais complexa do que a hierarquia do ranking) acaba por "criar realidade". Não devido ao mérito, mas à reputação criada a uma universidade e aos investimentos que se seguem ou desaparecem.

2. Os rankings forçam a uniformização do conceito de qualidade e uma visão de hierarquia no sector. A selecção de indicadores para comparar realidades diferentes é perversa, se resulta numa lista ordenada. Um ranking pode valorizar a dimensão das universidades (número de docentes, de estudantes, do orçamento anual, de publicações), mas isso não se traduz em qualidade. Conhecemos casos de governos que alteraram o financiamento dos seus sistemas (destruindo a sua coesão e qualidade geral) e reitores demitidos pelos resultados negativos. E há instituições em reforma para se "moldarem" aos critérios dos rankings e aos seus conceitos de qualidade.

3. Os rankings são instáveis e com metodologias pouco sérias. As alterações de indicadores são frequentes (às vezes anuais), deturpando os resultados. A situação piora, se comparam instituições de missões, estatutos jurídicos, orçamentos, áreas de investigação e ensino totalmente diferentes. Isto produz oscilações súbitas na posição das universidades avaliadas e retira sentido à comparação com as congéneres.

Mas são as próprias universidades que alimentam o jogo da reputação, misturando desempenho nos indicadores dos rankings e qualidade real. Longe de se unirem na crítica a exercícios redutores, as instituições ou mantêm o silêncio (porque desceram na listagem) ou celebram os resultados (afirmando a sua suposta credibilidade). No ano seguinte, trocando de posição, trocarão de atitude, aceitando passivamente as regras que lhes impõem.

Os rankings estarão para as universidades como as agências de rating estão para os bancos e os Estados? No emergente "mercado de ensino superior" internacional, em que a visibilidade e a reputação é meio caminho para o sucesso, quem usa os rankings para se promover aceita o seu conceito arbitrário de qualidade. Nesta Europa da crise há propostas de articular o financiamento do sector e avaliações deste género. Quando ministros decidirem concentrar fundos públicos em apenas algumas instituições. Ou quando o sector for um mercado financiado por empréstimos bancários a estudantes que custeiem propinas bem mais altas, não se admirem se estes (ou outros) rankings (nacionais ou internacionais) ajudarem a criar o mesmo processo de bolha especulativa a que assistimos noutras áreas.

Sendo prático: que estão as universidades a fazer sobre o assunto?

Sugerir correcção