A nova evangelização

Foto

1. Para depois das férias, estão marcadas reuniões que, em princípio, deveriam resultar em importantes decisões para a reorientação da Igreja Católica. De 7 a 28 de Outubro, realizar-se-á a 13ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, dedicada ao grande tema "A nova evangelização para a transmissão da fé cristã". O documento prévio, Lineamenta - sem nada de muito original -, contará com as respostas dos bispos para o Instrumentum Laboris, o guia dos trabalhos. A capacidade de decisão pastoral destas assembleias perdeu-se pelo caminho.

Para assinalar a abertura do Vaticano II (1962-1965), vai decorrer, entre Outubro de 2012 e Novembro de 2013, o Ano da Fé. Espero que, nesse ano, não se esqueça nem a Esperança nem a Caridade e as suas responsabilidades. Para que o projecto da Nova Evangelização não seja atraiçoado, logo à partida, importa enfrentar acontecimentos recentes e outros que já se arrastam há demasiado tempo. Jornais, revistas, televisões, redes sociais, conversas de sacristia e do adro transportam o Vaticano para todo o lado, nem sempre por razões edificantes. O estilo não é muito diferente do observado em todos os países, nas questões da banca, das revelações dos segredos de Estado, de lutas pelo poder, de traições apresentadas numa linguagem algo zoológica. Crentes e não crentes esperam outra ética e outras motivações no comportamento da Santa Sé. Estas más notícias exigem que a Nova Evangelização comece por casa.

Exalta-se, com toda a razão, o papel fundamental da Eucaristia na vida da Igreja Católica. Invocam-se, depois, razões que a tornam secundária, como aconteceu com Bento XVI, em Milão, no começo deste mês. Convidam-se os católicos recasados para as celebrações da Eucaristia na sua nativa forma sacramental de banquete. Os recasados são convidados, mas não podem comer (nem receber a absolvição na confissão). O Papa acrescentou: "Mesmo sem a recepção corporal do sacramento, podemos estar espiritualmente unidos a Cristo no seu corpo." Mas, então, porque se lhes nega a comunhão sacramental, expressão e alimento da união a Cristo?

A exaltação da Eucarística também é enfraquecida pela recusa em ordenar homens casados e mulheres solteiras ou casadas. No mundo católico, há cada vez menos pessoas sacramentalmente aptas a celebrar o Sacramento dos sacramentos. É muito grave. Fica-se com a impressão de que as razões teológicas invocadas ocultam opções de ideologia canónica, inadequadas à orientação pastoral da Igreja. Tanto zelo em sublinhar o papel dos sacramentos no catolicismo - sobretudo a Eucaristia - e acaba-se, querendo o contrário, por "protestantizar" a Igreja Católica.

2. Nos Lineamenta enviados aos bispos, mas de acesso a qualquer pessoa, atenua-se o alcance da Nova Evangelização: "Não se trata de fazer de novo qualquer coisa que foi mal feita ou que não funcionou, como se a nova acção fosse um implícito juízo sobre o falhanço da primeira. A nova evangelização não é uma duplicação da primeira, não é uma simples repetição, mas é a coragem de ousar novos caminhos, para atender às mudanças de condições dentro dos quais a Igreja é chamada a viver hoje o anúncio do Evangelho."

Esta formulação supõe que está sempre tudo bem na Pastoral da Igreja. A dificuldade parece resultar, apenas, das mudanças que acontecem na sociedade. Esta concepção do tempo esquece a natureza encarnacionista da fé cristã e as vicissitudes da inculturação do Evangelho. O Espírito de Deus não fala só através da Escritura e dos pronunciamentos da Igreja. Também fala através dos acontecimentos do mundo, da história humana e desumana. O Vaticano II sublinhou a urgência em saber ler os sinais dos tempos. A comunidade cristã, no exercício da sua missão, não pode pensar só nas lições que tem a dar, mas também no que deve aprender a receber e acolher. Os cristãos não habitam um mundo à parte, numa Igreja estranha à aventura humana, caminho de Deus.

3. A Igreja tem uma carência enorme de ministérios ordenados para entusiasmar e multiplicar as comunidades cristãs. Já referimos as tristes razões dessa falta. Agora, a primeira redescoberta a fazer para a Nova Evangelização está diante dos olhos: os potenciais evangelizadores estão dentro da própria sociedade em mudança. Desenvolvendo um trabalho que leve os cristãos a redescobrirem a sua dignidade e missão, nos espaços humanos em que vivem e trabalham, poderemos contar com uma multidão de evangelizadores, santos e pecadores. Essa missão está inscrita no baptismo que, na linguagem de S. Pedro, nos torna, em condições precárias, "sacerdotes, reis e profetas".

Uma das condições indispensáveis à nova evangelização passa por um sobressalto da alma perante a catástrofe de um mundo que tem tudo para a alegria e se perde na idolatria do dinheiro e do seu império, ao qual tudo é sacrificado. Os cristãos envolvidos nas questões familiares, profissionais, políticas, científicas, técnicas e artísticas, a nível local e global, renegariam a sua fé, se não acordassem para a evidência de que esta civilização está falida e que é urgente, com todas as pessoas de boa vontade, procurar o espírito de outro rumo.

Sugerir correcção