E no fim ganham os bancos

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Quando, a certa altura, se percebeu que a sociedade não via razões para que as pessoas do mesmo sexo não pudessem casar, os adversários desta ideia jogaram uma última cartada: "deem-lhes os direitos todos, façam exatamente o mesmo que fariam com casais de sexos diferentes, só não lhe chamem é casamento." "Só não lhe chamem casamento" tornou-se assim o foco de toda a atividade de um movimento que tinha perdido tudo o resto.

Enquanto vejo o jogo de futebol entre a Espanha e a Itália (ou seja, o último e o próximo país da eurozona a precisarem de um resgate), penso que uma coisa semelhante está a acontecer ao ordoliberalismo que domina a Europa. A Espanha pediu ontem um resgate, e um resgate de cem mil milhões de euros lhe foi concedido, com uma grande condição: só não lhe chamem resgate.

Essa condição é essencial para todos os atores em cena. O Governo espanhol não quer passar pela vergonha de pedir um resgate. Os líderes europeus - ou melhor, a chanceler Merkel - perderam já tudo: a razão, a credibilidade, o comando da situação. Um resgate da Espanha representa mais um rombo neste navio esburacado. E, então, decidem que o melhor é avançar para um resgate - desde que não se chame resgate.

Se tivessem perguntado ao nosso ministro da Economia - mas quem lhe pergunta o que quer que seja? -, ele dir-lhes-ia: chamem-lhe "coiso".

É que este coiso já não deveria ter acontecido. Não se lembram que a crise do euro estava resolvida? Que o novo tratado, deixem-me rir, tinha devolvido a confiança aos mercados? E não se lembram, antes disso, que a culpa da crise era dos governos com deficit (o espanhol tinha um superavit)? E ainda para mais, que a crise estava contida aos pequenos países periféricos e que as firewalls eram suficientes para impedir o contágio?

Pois bem: eles mentiram. O facto de terem acreditado na mentira é para aqui quase irrelevante. O resgate da Espanha é um refutação de cada uma das alegações que foram sucessivamente apresentando.

Ainda não se conhecem bem os pormenores da operação que será montada para que se mantenha a ilusão de que o resgate não é um resgate. No comunicado que o Conselho emitiu no sábado, após o pedido espanhol, está escrito que o Governo espanhol será sujeito a um plano de vigilância das suas variáveis macroeconómicas, e supõe-se que orçamentais também. A Espanha será poupada a uma famigerada troika, pelo menos na forma, mas não se sabe se no conteúdo.

Nos próximos dias, para justificar esta suposta novidade, veremos muitos comentadores, políticos e funcionários encartados explicar a raiz quadrada das diferençazinhas entre o que se passou em Espanha e o que se passou nos outros países.

Na verdade, não há diferença, nem novidade nenhuma, desde o início desta crise. A lição é sempre a mesma. As pessoas têm de sofrer. Os bancos não.

Quando um país chega perto da insolvência, os seus cidadãos têm de levar com o ferrete da perda de soberania. Quando um banco está insolvente - e estão-no praticamente todos -, dá-se-lhe dinheiro, "porque tem de ser". De setembro de 2008 até junho de 2012, não há acontecimentos que saiam desta linha.

O euro é assim: um jogo de países contra países e, no fim, ganham os bancos.

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