Ocupações plurais - Primeira parte: a casa

Na Casa de Serralves podem observar-se uma série de projectos da mostra colectiva "Squatters/ Ocupações". A exposição pode definir-se a partir de uma palavra: pluralidade.

Uma digressão pela mostra "Squatters/ Ocupações" deve dividir-se em várias etapas - no mínimo duas, a primeira para visitar os projectos instalados na Casa de Serralves, a segunda para descobrir as obras espalhadas pela cidade, uma das quais apenas visível à noite. Esta lógica presidiu também à opção de analisar a mostra em dois momentos (outra solução seria a de criticar a exposição a partir do critério interior/ exterior). Hoje, o texto centra-se nos trabalhos apresentados na Fundação de Serralves, na próxima edição do Mil Folhas serão comentadas as restantes criações. O título da exposição remete para um determinado contexto histórico, político e social - a ocupação de casas realizada sistematicamente sobretudo a partir de meados da década de 70, quando eclodiu, em Inglaterra, o movimento punk -, que só muito difusamente atravessa a mostra. "Squatters/ Ocupações" deve ser antes vista como uma manifestação de arte inspirada numa certa atmosfera que actualmente se vive um pouco por todo o lado. Essa tendência global em divulgar as tendências artísticas do momento expressa-se quer em bienais - que tanto podem ser fixas (é o caso da que se realiza em Berlim), como nómadas (veja-se a denominada Manifesta) -, quer em publicações (desde as revistas mensais até publicações do género da Cream, através da qual se apresentam, de dois em dois anos, 100 artistas emergentes escolhidos por dez comissários). Refira-se ainda que os 43 participantes na exposição "Squatters" foram seleccionados por um comité de três "curators": Vicente Todolí, João Fernandes (director e director adjunto do Museu de Arte Contemporânea de Serralves), Miguel von Hafe Pérez (responsável pela programação de artes plásticas do Porto 2001) - Bartomeu Marí, director artístico do Witte de With, instituição holandesa que co-produz a exposição, não participou activamente nas escolhas. O consenso a que terão chegado resulta na mostra agora visível, que, em primeiro lugar, se pode definir a partir da palavra pluralidade. Não existe, de facto, uma linha estética que conduza a iniciativa - e aqui reside a principal diferença relativamente a uma outra colectiva actualmente patente na Central do Freixo: "A Arte do Povo", comissariada por Marí. É na afirmação da possibilidade de convívio entre disciplinas e suportes distintos que reside a estratégia de "Squatters".O facto de tantos e tão diversos nomes aparecerem lado a lado deixa também algumas questões que não podem ser evitadas. Afinal, como se podem colocar as esculturas de Urs Fischer ao lado das pinturas de flores de Lorcan O'Byrne? A resposta pode ser dada a partir da forma como as obras ambos os artistas confrontam os diversos critérios de gosto que definem a arte actual. Mas será assim? É que a simples presença de Fischer e O'Byrne na exposição prova a infinita capacidade do museu absorver qualquer tipo de provocação. O kitsch e o anacrónico podem dialogar sem problemas de maior com o conceptualismo visível, por exemplo, em "Disused Track", de Juan Cruz, um autor que pode ser colocado na descendência de Hamish Fulton e Dan Graham. O nivelamento das diferentes propostas, que é dada pela sua institucionalização simultânea, evidencia as contradições da arte actual, cada vez mais sujeita às pressões da indústria cultural.Os projectos mais eficazes da exposição na Casa de Serralves resultam sobretudo da relação da obra com a arquitectura envolvente, cujos exemplos maiores são dados pelos trabalhos de Massimo Bartolini, Leonor Antunes, Ângela Ferreira (um acidente de montagem impediu a observação da instalação da artista nas devidas condições), Gert Robijns, Simon Starling e Urs Fischer. Independentemente da relação com o contexto, devem também destacar-se o filme "I'm Coming Home in Forty Days" (1997), de De Rijke/ De Rooij, "Planeta" (2001), de Grazia Toderi - um vídeo realizado no Planetário do Porto -, e "Tonight" (2001), de Johannes Kahrs (uma reinterpretação sensual de uma cena de "La Notte", filme de Michelangelo Antonioni, com Marcello Mastroiani, Jeanne Moreau e Monica Vitti). As grandes desilusões são Francis Al?s, que editou postais com imagens de "Um passeio pelos jardins da Casa de Serralves do qual resultaram duas pedras no meu sapato esquerdo" - uma intervenção algo recalcada de outras jornadas em outras cidades - e a escultura "O Passageiro" (2001), de José Antonio Hernández-Diez, demasiado formal relativamente a outras obras suas.Os trabalhos de Bartolini, Antunes e Ferreira têm em comum a situação "site specific". Embora o italiano proponha uma das intervenções mais surpreendentes da mostra, ao elevar 40 cm o chão de uma das divisões do edifício, "inundando", desse modo, o mobiliário da sala, é Leonor Antunes que é mais consequente (certamente menos espectacular) na interpretação do espaço por si trabalhado. A artista propõe a ocultação do soalho primitivo, construído com recurso a madeiras luxuosas e ostentando um desenho geométrico, substituindo-o por placas em madeira de carvalho. Aqui, o luxo dá lugar ao rigor minimal. Por seu lado, Ângela Ferreira mostra "Case Study House nº 21", uma estrutura de madeira e pano concebida com base no projecto com o mesmo nome (1958), de Pierre Koenig, com a qual coloca em diálogo a imagem do revólver utilizado por Mouzinho de Albuquerque, uma das figuras das campanhas de África do final do século passado (venceu e aprisionou o régulo Gungunhana), no seu suicídio. Uma nota ainda para o "Monte Falso", de Francisco Tropa, um projecto já com alguns anos agora visível nos jardins de Serralves, onde ficará instalado permanentemente. Partir à descoberta deste instante mágico proposto pelo artista - olhar para uma paisagem que emerge literalmente do chão - é a melhor forma de encerrar a primeira etapa da visita à mostra "Squatters".

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