Do Básico ao Superior

Os actuais interesses divergentes dos Estados Unidos e da Europa em matéria de política económica serão atenuados no futuro com a melhoria das perspectivas de crescimento nos dois blocos. Mas a médio prazo, o panorama é de confronto, potencialmente tão fracturante como as disputas sobre a guerra do Iraque.

Parte da "reentrée" política está a ser marcada pela contestação dos estudantes do ensino superior ao aumento das propinas. Acampamentos no ISCTE, cadeados no ISCSP, invasão de reuniões do Conselho Directivo no IST, greve geral anunciada para dia 21, e o que mais se verá. A política da economia é a percepção que qualquer decisão económica é política e por isso deve ser tecnicamente fundamentada, mas assente numa visão política estratégica. Deve-se dar prioridade ao ensino básico ou ao superior? A ambos não é resposta satisfatória, pois há que ter em conta o custo de oportunidade dos recursos públicos. Há pois uma opção política a tomar. Em relação ao básico pode-se pegar no "Education at a Glance" da OCDE, na "League Table of Educational Disadvantage in Rich Nations" da UNICEF, ou noutra publicação qualquer para se concluir que o estado do ensino básico em Portugal é precário. Seja ao nível da literacia, insucesso escolar, capacidade de resolver problemas aritméticos simples, os resultados de testes do TIMSS e do PISA são objectivos e elucidativos. Maus resultados têm efeitos profundos ao nível da cidadania e do civismo, mas também da produtividade - algo que o Relatório McKinsey não parece dar a devida atenção. Uma questão relevante, do ponto de vista orçamental, é pois esta - em que medida recursos adicionais específicos para a educação têm feito melhorar o sucesso escolar e a inclusão social? No tempo de Cavaco Silva criaram-se os PIPSE, no de Guterres os TEIP. Em que medida estes programas de combate ao insucesso escolar tiveram sucesso? Cada criança, independentemente de sexo, raça, religião, origem social, deve poder desenvolver as suas potencialidades em plenitude. Igualdade de oportunidades não é só o livre acesso à escolaridade obrigatória. Exige uma discriminação positiva a favor dos mais desfavorecidos e um certo combate à segregação escolar que - os recentes resultados dos exames sugerem - está a aumentar na sociedade portuguesa. O ensino superior é uma realidade muito diferente. Há quem considere, erradamente, que é um bem público. Num artigo célebre de 1954, Paul Samuelson, esclarece que a não rivalidade no consumo é a característica essencial de um bem público. Em 1965, James Buchanan, teoriza os bens de clube ou mistos - serviços de consumo colectivo, com benefícios privados, sujeitos a congestionamento e onde é possível praticar preços. O ensino superior é um bem misto, que deverá ter financiamento misto (público/ privado) se considerarmos critérios de eficiência e equidade. Um bem misto financiado quase exclusivamente por impostos significaria que, todos os contribuintes, estão a financiar os que beneficiam. Financiado parcialmente por propinas significa que há vários ganhos de eficiência (responsabilização individual, exigência de qualidade,...) e que a equidade deve ser preservada com o reforço da Acção Social, para garantir que não haja jovens excluídos por razões monetárias. Contudo, não convém confundir a defesa das propinas com o apoio à Lei de Bases de Financiamento do Ensino Superior (BFES) que, em nossa opinião, é uma má lei que deixa o "rabo de fora". Dela não consta a fórmula de financiamento bem como as regras para os seus cálculos, mas apenas critérios. Significa que a maioria das Universidades estão a estabelecer o montante das propinas sem saber, quer a dotação do Orçamento do Estado para 2004, quer a aplicação concreta das BFES. O Ministro lá vai dando a entender (Público 30/09/03) que o montante da propina não é retirado à dotação do Orçamento de Estado. Mas como saber se não há fórmula? Os estudantes não têm razão em relação ao aumento das propinas, mas têm alguma na forma algo caótica como este processo está a ser implementado. A sequência deveria ser 1) BFES, 2) regulamentação da Lei com fórmula concreta, 3) disponibilização de dados necessários ao cálculo da fórmula, 4) fixação do "numerus clausus" 5) fixação das propinas por parte das faculdades para três anos lectivos (como está a fazer a Universidade do Porto). Só depois disto haveria a escolha dos estudantes que se faria em relação a cursos, mas também a eventuais propinas diferenciadas. A "freedom to choose" que está a ser implementada é esta: escolhe primeiro, sabes o preço depois. O problema do ensino superior é a conjugação de má formação de estudantes que chegam do secundário, ausência de efeitos da avaliação pedagógica dos docentes na sua carreira docente e quase ausência de competição docente inter-faculdades. Esta combinação, sobretudo em escolas onde não se faz avaliação séria dos docentes, pode ser explosiva. O alvo da mobilização estudantil não deveria ser as propinas gerais (que não são significativas se compararmos com universidades estrangeiras), mas antes a melhoria da qualidade do ensino, a avaliação pedagógica dos docentes e o aumento do orçamento para a Acção Social. Defendo o ensino superior público, o que significa que o estado deve suportar parte substancial da despesa - o que acontece com a propina máxima que é menos de 20 por cento do custo por aluno do superior.

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