Diga Quidditch, Hogwarts, Wingardium Leviosa e não morda a língua

Sabe o que é o jogo de Quidditch? Ou porque é que as escadas mudam de lugar em Hogwarts? Ou o que acontece quando alguém, que não um Muggle, pronuncia Wingardium Leviosa!? Conheça então Duarte, 8 anos, um especialista.

Quando se juntam na escola, Duarte e os amigos, todos querem ser Harry Potter, imaginar que esvoaçam com capas negras e verde esmeralda sobre uma Nimbus 2000, que é o último grito quando se trata de vassouras. Para falar verdade, no meio da disputa Duarte bem se contenta se for Ron Weasley, o ruivo e desajeitado amigo de Harry. É o seu favorito. Não sabe porquê. "Porque é mais giro nos cromos", tenta. Se calhar porque não é tão evidentemente o herói.Duarte tem oito anos, cadernos forrados com cromos de Harry Potter, legos. A mãe lê-lhe todas as noites o 4º volume do best seller de J. K. Rowling (o que significa que em termos de "pottermania", Duarte, 2º ano, está avançado em relação "a muitos do quarto ano"). Não admira, por isso, que tenha havido irrupções de inveja lá pela escola quando se soube que Duarte entrou num visionamento para a imprensa de "Harry Potter e a Pedra Filosofal" e viu o filme antes dos outros. Mas, górgones galopantes! - para citar Hagrid, guarda dos campos e das chaves da Escola Hogwarts de Magia e Feitiçaria que é fascinado por dragões -, como se atrasaram as bobines dos filmes naquela projecção! No mundo de Harry Potter, há muito que teria esvoaçado uma coruja, que é o serviço postal em Hogwarts, e despejado a tempo e horas a carga. Duarte não disfarçou a impaciência.Cicatriz. E Harry Potter? "Achava que a cicatriz era mais em forma de relâmpago. No filme é mais para o lado". E parece um N deitado. Foi-lhe deixada na testa pela varinha diabólica de Voldermort, a força das trevas - tem que se dizer Quem Nós Sabemos; não se pode pronunciar o nome -, que matou os pais de Harry quando ele era bebé. "Mas a cara está parecida com os cromos", concede Duarte. Sim, embora tenha havido por aqui operações de cosmética: os óculos de Harry não estão partidos nem colados como se escreve no livro; e a Hermione Granger que vemos, se corresponde em termos de cabeleira farta, não tem dentes saídos. "Gosto da Hermione por ela andar sempre à procura dos livros", confessa. Ela faz mais do que isso: anda sempre com a mão no ar para responder a qualquer pergunta, antes mesmo que alguém a faça. Isso pode ser enervante (e Ron nem sempre disfarça a irritação). Duarte adianta que uns livros lá mais para a frente, a relação entre Ron e Hermione vai sofrer um abalo quando ela (que, no seu voluntarismo, é projecção assumida da escritora Rowling) e ele se começarem a dar menos bem. Terá a ver com um gato (dela) e com um rato (Scabbers, dele).Não querendo forçar segredos do especialista, limitamo-nos a pedir a Duarte que partilhe a sua visão sobre "Harry Potter e a Pedra Filosofal", o filme de Chris Columbus. Sim, porque há outro tipo de impaciência que os especialistas não escondem: perante os não iniciados, os que não pronunciam Albus Dumbledore (o director de Hogwarts, sábio de inevitável barba branca), Fluffy (cão de três cabeças), a Professora McGonagall (de Transfigurações), Quidditch (jogo, espécie de basquetebol no ar e sobre vassouras), Muggles (os que não são feiticeiros, ou seja, tu e eu) à primeira e sem morder a língua. Aliás, o especialista às vezes também tem lapsos. Como é a palavra mágica? Wingardium Leviosa! Isso já foi há alguns livros atrás, Duarte já se tinha esquecido...Mas começa então por olhar para o céu de Hogwarts, aquele que por artes mágicas muda constantemente de cenário. "As abóboras no tecto...aquilo está um bocadinho mal filmado, porque se viam os fios". E as velas no ar? "Acho que foi o computador, porque se não elas caíam". Na verdade, na verdade, muito mais do que ver as 142 escadarias de Hogwarts que mudam todos os dias de direcção, Duarte queria era mesmo ver como era a cara de Quem Nós Sabemos. No livro, é o "rosto mais pavoroso" que alguma vez Harry Potter vira. "Era branco como o giz, com olhos vermelhos brilhantes e fendas no lugar de narinas" (pag. 242). Um bocado abstracto, talvez. Como o rosto que arranjaram para o lego, "que é mais ou menos inventado". E no filme? "Não achei muito horroroso. Devia ser mais assustador".Para quem estava tão excitado com a hipótese de ver o filme, para quem teve "um bocado de medo" com a visão do cão de três cabeças (e com a cena da floresta, com o unicórnio morto) e que se divertiu tanto ao antecipar a partida de xadrez com peças gigantes que se movem, Duarte acaba por confessar que "o livro tem mais coisas". O filme é fidelíssimo; mas o livro dá a impressão que é infinito. O caldeirão onde J. K. Rowling misturou pózinhos vários de "O Senhor dos Anéis", "A Guerra das Estrelas" (o lado negro da força...), "Os Cinco", de Enid Blyton, as lendas arturianas e todos os outros clássicos de todos os outros géneros (do policial à aventura cósmica) resultou numa fórmula infalível, uma espécie de estojo de truques que é um "do it yourself" para a imaginação - para Duarte, por exemplo, a saga de Harry Potter é "mais pessoal" do que os Pokémons; "São mais humanos, não são bonecos". Só que, depois de toda a agitação da sala de cinema, Duarte sentiu que o filme, ao ter querer dar a ver, lhe roubou alguma coisa. Ele acredita em mágicos? "Não existe magia!. Um mágico não faz magia, faz truques". Então e o filme? "Ah!, mas isso é efeitos de computador". Então e porque é que gosta do livro? "Mas no livro tudo é escrito, é imaginado".Nessa noite, como todas as outras, a mãe de Duarte leu ao filho mais umas páginas do quarto volume da saga de Harry Potter. E como todas as outras noites, depois de Duarte adormecer, a mãe não conseguiu parar de ler.

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