É um clássico: Os Lusíadas e poemas traduzem-se sempre numa descida de notas nos exames

Análise de sete anos de exames nacionais do secundário confirma que os problemas, as situações novas e o espírito crítico continuam a ser o calcanhar de Aquiles dos alunos portugueses.

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Rui Gaudêncio

Nos últimos anos de exames nacionais (entre 2010 e 2016), os alunos do 12.º ano tiveram o seu melhor resultado a Português em 2014: a média nacional foi de 11,6 valores, numa escala que vai até 20. O que coincidiu com uma prova onde não foi proposta para avaliação qualquer obra poética.

Esta constatação vem confirmar o que o Instituto de Avaliação Educativa (Iave) concluiu na análise aos exames realizados naquele período. “Na disciplina de Português, no domínio da Leitura, os resultados são inferiores quando o suporte dos itens que têm como objecto de avaliação a leitura de texto literário é um texto poético ou um excerto de Os Lusíadas”, afirma-se num relatório publicado nesta terça-feira.

Neste relatório, que surge a poucas semanas do início de mais uma temporada de exames nacionais do secundário (arranca a 19 de Junho), avalia-se o desempenho dos alunos nas provas de 10 disciplinas. Há mais 12 que são sujeitas a provas finais, mas o seu número de inscritos é inferior a 2500, que foi a baliza escolhida pelo Iave, organismo responsável pela elaboração e aplicação dos exames.

Foram analisados, item a item, os exames das disciplinas de Português, Matemática A, Matemática Aplicada às Ciências Sociais, Física e Química A, Biologia e Geologia, Economia A, Geografia A, História A, Desenho A e Geometria Descritiva A.

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A primeira conclusão geral a que chegou o Iave, e que reitera outras constantes em anteriores relatórios, é a seguinte: os alunos portugueses continuam a ter dificuldades em realizar problemas e aplicar conhecimentos a situações novas. Eis o que escreve o Iave a este respeito: “Relativamente às aprendizagens, os dados por item permitem reiterar que os alunos são capazes de replicar conteúdos ou de aplicar estratégias de resolução rotineiras, quando esse é o objecto de avaliação, e que, nos itens em que se mobilizam operações cognitivas de nível superior (capacidade de síntese, de crítica, e estratégias de resolução e problemas) ou a capacidade de aplicar conhecimentos a situações novas, se registam maiores dificuldades.”

No que respeita a situações novas, o que o relatório do Iave revela também é que os alunos se saem pior quando são confrontados com problemas, conteúdos ou questões que não tenham saído em exames anteriores e para as quais portanto não foram treinados. Falta-lhes também juízo crítico.

Estes são traços que começam a surgir logo no 1.º ciclo de escolaridade, como mais uma vez fica demonstrado noutro relatório do Iave, também publicado nesta terça-feira, e que avalia as prestações dos alunos nos exames do 4.º ano do ensino básico, que deixaram de se realizar a partir de 2016.

Problemas também na escrita

Na disciplina de Português, a análise de sete anos de exames do secundário permite ao Iave concluir que “muitas das capacidades previstas no programa não ficam consolidadas”, nomeadamente as que dizem respeito à mobilização dos conhecimentos que adquiriram para interpretarem textos de leitura mais exigente, como é o caso das obras poéticas, “a explicitação de valores expressivos e simbólicos”, “o estabelecimento de relações com um certo grau de complexidade entre diferentes elementos textuais” e a “explicitação de juízos críticos”.

No que respeita à escrita, os alunos que chegam ao 12.º ano “revelam dificuldades na estruturação do discurso e em escrever com correcção linguística”.

Na Matemática, os itens com melhores resultados são aqueles “que têm como objecto de avaliação o conhecimento de conceitos, de regras e de propriedades”.

A dificuldade aumenta “quando se trata de resolver problemas, especialmente quando os itens não convocam procedimentos rotineiros ou quando apresentam situações pouco habituais em exame final”. E, no geral, os desempenhos “são menos conseguidos em itens que envolvem um grau de abstracção elevado”.

Ordem cronológia falha em História

As conclusões extraídas para as disciplinas de Português e Matemática A são “muito semelhantes” às que se chega na análise das outras disciplinas, frisa o Iave. Apenas mais dois exemplos. Em Economia, os estudantes têm particular dificuldade nos conteúdos relativos às actividades económicas. E em História tropeçam na ordenação cronológica dos acontecimentos.

Na sua análise, há um conselho do Iave que é recorrente em várias disciplinas: é necessário reforçar a aplicação de conhecimentos na análise de situações práticas e que correspondam a exemplos reais. Em termos gerais, o Iave aconselha que em vez de se “treinar para os testes” se “trabalhe com os testes, utilizando os respectivos resultados para promover a melhoria da aprendizagem”, algo que segundo este organismo continua a faltar nas escolas, desperdiçando-se assim informação que permitiria aos professores intervirem no sentido de tentar ultrapassar os “constrangimentos” identificados.

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