Para que serve a ONU?

A ONU já foi, em tempos, o parlamento do mundo. E hoje não tem a mesma relevância.

Nos anos sessenta, a humanidade confrontou-se com perguntas novas. Como por exemplo: o que fazer quando um astronauta cai do espaço num país que não é o seu?

O lugar óbvio para lhes dar resposta era a Organização das Nações Unidas. Durante anos, uma comissão especializada da ONU foi avaliando este e outros casos até chegar ao Tratado sobre o Espaço Exterior, “incluindo a Lua e outros Corpos Celestiais”. E chegou no tempo certo: no dia em que foi assinado, 27 de janeiro de 1967, ocorreu um acidente na Apolo I em que pela primeira vez morreram três astronautas.

Em terra, a missão mais complicada era a descolonização, e Portugal estava num dos lugares mais desconfortáveis (depois de o nosso país chegar tarde à ONU porque Salazar desconfiava de internacionalismos). A Comissão da Descolonização dedicou muito do seu trabalho aos territórios sob administração portuguesa. Em 1975, após o 25 de Abril, mudou-se para Lisboa e acompanhou o estado do debate entre os movimentos de libertação e o novo governo democrático em Portugal.

De cada vez que um país africano se tornava independente, muitas vezes com apoio norte-americano, dava-se um ricochete: os movimentos negros insistiam com os seus camaradas nos novos países para que estes denunciassem na ONU o estado das questões raciais nos EUA. Malcolm X usou essa tática. Martin Luther King discursou em frente ao seu edifício em Nova Iorque para pressionar o governo do seu país perante as consciências do mundo.

Em resumo: a ONU já foi, em tempos, o parlamento do mundo. E hoje não tem a mesma relevância.

Parte disso é culpa própria: se antes a ONU discutia o que fazer quando os humanos fossem à lua, hoje tem dificuldades em entender que um homem que ganhou quatro votações destacadas para Secretário-Geral da ONU é provavelmente o melhor Secretário-Geral para a ONU. Toda a gente sabe que as regras desatualizadas do Conselho de Segurança são um problema para a ONU, mas quem o admitir está excluído à partida de tentar melhorar a situação.

A ONU é também vítima, por assim dizer, dos seus sucessos (e das organizações que o seu internacionalismo inspirou). A descolonização está, em grande medida, feita. A missão da paz na Europa foi transferida para a UE e mantida de forma mais duradoura do que nunca. As crises que há para resolver hoje, como a das alterações climáticas, passam por negociações multilaterais que a ONU facilita sem centralizar. A ONU tem ainda uma enorme importância; mas ela é menos visível e menos relevante — e isso é um problema.

Para a ONU voltar ao lugar que já teve nas imaginações da humanidade seria preciso mudá-la por dentro. Isso poderia passar pela criação de uma Assembleia Parlamentar das Nações Unidas, um Tribunal Internacional contra os crimes ambientais e pela emissão de um Passaporte Internacional Humanitário que desse segurança física e legal aos refugiados. Ideias que, à partida, qualquer Conselho de Segurança chumbaria.

Precisamente por isso — e porque precisamos da ONU mais do que nunca — é necessário um Secretário-Geral com a visão e a experiência necessárias para por as coisas a andar. Convinha era o Conselho de Segurança perceber que já o escolheu.

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