E aqui tão perto de nós descobriu-se uma outra Terra

Tudo indica que a estrela mais próxima do sistema solar tem um planeta com condições para albergar vida. Nas próximas décadas, o planeta Próxima b será um objecto aliciante para a astronomia.

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É possível que o planeta Próxima b tenha água em estado líquido à superfície M. Kornmesser/ESO

Há boas razões para se imaginar que o brilho vermelho da estrela Próxima do Centauro está a iluminar vida, a meros 4,2 anos-luz. Uma equipa internacional de astrofísicos descobriu um candidato a planeta que gira pertíssimo daquela estrela, a mais próxima do nosso sistema solar. E não é um planeta qualquer. O Próxima b — o nome que lhe foi dado — é rochoso e o seu tamanho é semelhante ao da Terra: tem 1,3 vezes a massa do nosso planeta. Apesar de estar colado à Próxima do Centauro, uma anã-vermelha com 12% da massa do nosso Sol e muito pouco energética, a parca radiação que atinge o planeta torna possível a existência de água líquida à sua superfície, caso haja atmosfera, explica um artigo publicado hoje na revista Nature.

Há ainda muitos “ses” sobre o Próxima b, é necessário inclusivamente confirmar se o planeta realmente existe. Mas por estar tão perto de nós e por ter condições tão semelhantes às do nosso mundo, esta nova Terra acaba de subir para o primeiro lugar dos exoplanetas promissores para a procura de vida fora do nosso sistema solar.

“É um planeta do tipo da Terra”, resumiu Ansgar Reiners, da Universidade de Göttingen, na Alemanha, e um dos 31 autores do artigo científico. “Provavelmente tem atmosfera e alguma água líquida”, explicou o astrofísico numa conferência de imprensa telefónica organizada pela própria Nature.

Por ser tão pequena, a Próxima do Centauro não se consegue observar à noite, a olho nu. É necessário um telescópio. No entanto, o astro poderá estar ligado ao sistema estelar binário da Alfa do Centauro A e B, a 4,3 anos-luz de nós. Estas duas estrelas, uma maior do que o Sol, a outra mais pequena (mas ainda assim bastante maior do que a Próxima do Centauro), giram em torno uma da outra. Por sua vez, a Próxima do Centauro poderá estar a viajar lentamente à volta deste sistema binário, ainda que não haja certezas.

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Ilustração do planeta Próxima b M. Kornmesser/ESO

Já há algum tempo que se estuda a possível existência de um planeta em torno daquela anã-vermelha. “As observações iniciais do planeta foram feitas há mais de 15 anos, em Março de 2000. A primeira vez que submetemos um artigo sobre o planeta foi em Fevereiro de 2013”, revela Hugh Jones, da Universidade de Hertfordshire, em Hatfield, no Reino Unido, também autor do artigo (citado num comunicado da Universidade Queen Mary de Londres). “O meu colega Mikko Tuomi [outro dos autores] tinha encontrado uma ‘pegada’ do planeta em informação arquivada [sobre a estrela] que tinha sido obtida antes de 2009. Mas não tínhamos provas suficientes que fundamentassem uma descoberta tão importante.”

Por isso, foi necessária uma campanha científica para tentar confirmar a existência do Próxima b. O estudo utilizou o efeito de Doppler — um efeito que se observa facilmente na Terra com as ondas sonoras. O exemplo clássico é o da sirene de um comboio a passar por nós numa estação. À medida que o comboio se aproxima e emite o som, as ondas sonoras chegam à estação a uma frequência maior. Depois, quando o comboio se afasta, a frequência das ondas vai-se espaçando. Isto resulta num som mais agudo quando o comboio vem em direcção a nós e mais grave quando se afasta.

Nas estrelas, a detecção deste fenómeno em relação às ondas electromagnéticas pode indicar a presença de planetas. Apesar de as estrelas serem muito maiores do que os planetas, influenciando-os com a força da gravidade, os planetas também têm um efeito gravítico nas estrelas consoante o seu tamanho e a sua distância. Esse efeito faz com que a estrela oscile ligeiramente.

Em relação à Terra, esta oscilação de estrelas distantes significa que elas estão continuamente a aproximar-se e a distanciar-se do nosso planeta. Na escala do cosmo, este movimento é minúsculo. Mas um bom telescópio consegue detectar uma diferença na luz que recebe dessas estrelas, quando elas se aproximam e se afastam. Tal como o som proveniente do comboio, quando uma estrela se aproxima, a frequência das ondas electromagnéticas é maior e o telescópio detecta luz mais próxima do comprimento de onda do azul. Quando a estrela se afasta, a frequência das ondas é mais espaçada, e a luz que chega ao telescópio está mais próxima do vermelho.

Fizeram-se estas observações na primeira metade de 2016 usando um telescópio instalado no deserto do Atacama, no Chile, e que pertence ao Observatório Europeu do Sul (ESO). “Estava sempre a confirmar a consistência do sinal a cada uma das 60 noites da campanha”, lembra Guillem Anglada-Escudé, da Universidade Queen Mary de Londres, outro dos autores do artigo. “Os primeiros dez dias foram prometedores, os primeiros 20 dias foram consistentes com as expectativas, e ao 30.º dia bastante definitivos”, diz, citado num comunicado do ESO.

As observações indicavam a existência de um planeta com 1,3 massas da Terra, a cerca de 7,5 milhões de quilómetros da Próxima do Centauro (quase oito vezes mais perto da sua estrela do que Mercúrio do Sol) e que dá uma volta à estrela a cada 11,2 dias. Por estar tão perto da estrela, deverá ter sempre a mesma face virada para a Próxima do Centauro.

O problema das anãs-vermelhas

Os cientistas fizeram várias análises para confirmar que as oscilações da estrela não eram causadas pela sua actividade. As anãs-vermelhas são muito activas, e as manchas solares que surgem à superfície poderiam estar a originar um sinal que se confundiria com o efeito de Doppler. “Assim que se confirmou que as oscilações não foram causadas por manchas solares, soubemos que tinha de ser um planeta a orbitar na região [à volta daquela estrela] onde a água pode existir”, diz, por sua vez, John Barnes, da Universidade Aberta, no Reino Unido. “Se investigação futura concluir que as condições da sua atmosfera são apropriadas para o planeta ter vida, esta é uma das mais importantes descobertas científicas que teremos feito.”

Mas Nuno Santos, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, do pólo no Porto, pede ponderação. “Parece-me que há efectivamente um sinal”, comenta ao PÚBLICO o astrofísico que tem descoberto muitos exoplanetas, mas não está ligado a este estudo. “Não temos uma detecção directa do planeta. Ainda há alguma probabilidade de os autores terem sido enganados pela estrela.”

“Há muitos detalhes sobre estas anãs-vermelhas que não compreendemos muito bem. Há vários casos na literatura científica de sinais que pareciam ser planetas, mas depois não o eram”, explica, adiantando que espera que outras equipas de astrofísicos analisem os dados publicados sobre o Próxima b para confirmar a sua existência. Caso assim seja, então “a descoberta será certamente um marco”, sublinha Nuno Santos. “Já descobrimos outros exoplanetas com massas semelhantes à da Terra, mas não estão na zona habitável.”

A equipa do novo estudo tentou ainda calcular a probabilidade de o planeta ter atmosfera e água líquida. Isto dependerá de vários aspectos, como o local de formação do planeta no sistema solar ou a actividade da estrela ao longo da sua vida. Segundo os cientistas, se aquela anã-vermelha esteve muito activa no início da sua vida (a estrela terá cerca de 5000 milhões de anos) e o planeta se formou no local onde se encontra agora, então uma eventual atmosfera foi rapidamente varrida pela radiação energética da Próxima do Centauro e o planeta hoje será uma rocha seca.

Porém, se o planeta se formou num local mais longínquo do seu sistema estelar e, posteriormente, migrou para a região que hoje habita, então poderá ter atmosfera e água. De acordo com os modelos dos cientistas, “há uma probabilidade diferente de zero de haver atmosfera”, diz Ansgar Reiners. Nesse caso, as temperaturas à sua superfície variarão entre os 30 graus Celsius positivos no lado iluminado e os 30 negativos no lado escuro.

O futuro poderá ajudar a esclarecer todas estas questões. “Estão a ser desenvolvidos novos instrumentos que irão melhorar as observações”, salienta ainda Nuno Santos. Poderá ser possível não só analisar a atmosfera do planeta, como até obter imagens do Próxima b.

Mas, por enquanto, resta-nos sonhar com este lugar, com o seu sol vermelho no horizonte e a possibilidade de o nosso pequeno canto no Universo estar povoado de vida.

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