Pena máxima para incendiários?

Há uma espécie de diarreia legislativa que cria a ilusão que excretando legislação a rodos os assuntos se resolvem

Sempre que surgem casos de enorme repercussão mediática e com relevo criminal há quem de imediato se lembre que a solução implica legislar e agravar as molduras penais.

Com o país arder e prejuízos irreparáveis logo surgiu uma petição pública a pedir vinte e cinco anos de cadeia para quem pegar fogo ou mandar incendiar em determinadas circunstâncias. Nada mais nem menos que pena máxima…

Há uma espécie de diarreia legislativa que cria a ilusão que excretando legislação a rodos os assuntos se resolvem.

É curioso que a irrefreável sanha já passou dos governantes para os cidadãos e veio a terreno a tal petição a reclamar pena máxima para certo tipo de incendiários.

Face à enorme gravidade do problema e ao bombardeamento de toda a espécie de diretos, alguns abaixo da indigência intelectual e de um mínimo de sensibilidade, a tendência vai direitinha para o lado mais fácil: legislar agravando-se as penas.

Fica toda a gente de consciência sossegada e atira-se o peso de uma inércia de décadas para cima do alvo mais visível e imediato: os criminosos do pé descalço; como se uma sociedade moderna não tivesse outros meios para responder à proteção da floresta e de novas circunstâncias climatéricas.

Tem de se punir, sem dúvida, mas até à punição vai um longo caminho que é o da prevenção.

O Estado tem o dever de agir para defender as riquezas nacionais nomeadamente as vidas humanas, as florestas e os bens dos cidadãos.

Tem de saber o que fazer para que um problema que se vem arrastando há décadas se torne residual e deixe de encher o coração dos portugueses de pavor e as manchetes dos média.

O endurecimento das penas cria a ilusão de que é nesta sede que reside o problema quando ele é apenas um pequena parte daquilo que são os incêndios florestais.

A ideia que se vai instalando no “stablishment” que legislando-se se resolvem os problemas vem na sequência de muitos outros de onde sobressai a título de exemplo a medida da Sra Ministra Paula Teixeira da Cruz de alargar o prazo das prescrições, desresponsabilizando o Estado do seu dever constitucional de resolver os conflitos dentro de prazos razoáveis.

Quantas vezes os governantes questionados pelos jornalistas acerca de tal ou tal problema respondem que já tomaram medidas e por consequência foi publicada no Diário da República a legislação adequada.

Os incêndios mexem com a sociedade no seu todo e no que ela tem de movediço em relação às mudanças profundas na demografia, na relação com a natureza em ambientes rurais, no sobredimensionamento da malha urbana e no ordenamento do território.

Um país que se esvazia no seu interior abandonado grandes extensões de território, que perdeu a memória de lidar com a floresta, que assiste pachorrentamente à modificação do tipo de florestação e passa o tempo a fugir para Lisboa ou Porto ou para a periferia destes dois grandes centros urbanos, bem pode endurecer a moldura penal ao nível de um homicídio ou até aumentar de vinte e cinco para vinte e seis ou sete anos.

Cairá bem num importante setor da sociedade que também defende a morte para os incendiários amarrando-os e queimando-os…olho por olho, dente por dente…mas ficará aquém, nessa espécie de vingança primária medieval, das soluções para o problema.

Está totalmente fora de qualquer base verificada que se se agravarem as penas os incêndios diminuirão; basta comparar com as penas ao longo das últimas décadas.

Os governantes agem por ciclos de quatro anos e por impulsos mediáticos, o que faz com que um problema transversal na sociedade fique dependente do El Ninho e outros fatores.

Trabalhe-se a sério no ordenamento do território e da floresta e os fogos diminuirão substancialmente. O calor chegará sempre por altura do Verão. Seguramente.

Advogado

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