Livros em feira

De entre os vários livros mais recentes que feirei (com desconto pequeno devido à lei do preço fixo), deixo um rol de oito.

Já fui à Feira do Livro de Lisboa e à Feira Cultural de Coimbra. Os dias estavam soalheiros no Parque Eduardo VII, com generosa vista para o Tejo, e no Parque Dr. Manuel Braga, mesmo à beira do Mondego, e assim prometem continuar esta semana. Detive-me mais nos alfarrabistas, onde ainda é possível encontrar autênticas pechinchas. De entre os vários livros mais recentes que feirei (com desconto pequeno devido à lei do preço fixo), deixo um rol de oito que só não me servem de abastecimento para as férias, porque alguns já os li enquanto os outros estão a caminho de serem lidos.  A ordem é alfabética do apelido do autor.

– Svetlana Alexievitch, Vozes de Chernobyl. História de um desastre nuclear, Elsinore. A escritora bielorussa que ganhou o Prémio Nobel da Literatura do ano transacto dá voz (literalmente, trata-se em grande medida de discurso directo) às vítimas do maior desastre da indústria nuclear de sempre, ocorrido há trinta anos na Ucrânia. Hoje um sarcófago no meio de uma floresta aonde voltaram os lobos recorda-nos um dos maiores inimigos da humanidade: o erro humano.

– Jason Brennan, Capitalismo. Porque não? Em defesa do capitalismo, Gradiva. Num livro de bolso, Brennan, professor de Filosofia na Universidade de Georgetown, responde a Cohen, autor de uma obra gémea. É um prazer ler esta polémica capitalismo-socialismo, mais interessante do que a anda por aí sobre as supostas origens marxistas do fascismo. Para Brennan o capitalismo não só é mais viável na prática do que o socialismo mas também é moralmente superior.

– G. A. Cohen, Socialismo. Porque não? Em defesa do socialismo, Gradiva. Cohen, um dos grandes filósofos marxistas (canadiano, falecido há sete anos), defende o socialismo partindo de uma metáfora social -  um acampamento durante o qual várias pessoas partilham os seus dias. Porém, para o seu antagonista Brennan, uma metáfora mais adequada é a aldeia do rato Mickey, de um desenho animado do Canal Disney.

– Mário Correia, Aviadores Portugueses, 1920-1934. A Aventura dos Pioneiros,  A Esfera dos Livros. O voo sobre o Atlântico Sul de Sacadura Cabral e Gago Coutinho, de 1922, mas também o grande voo do Oriente, de 1925, de Brito Pais, Sarmento de Beires e Manuel Gouveia, e a grande viagem aérea de ida e volta a Timor, de 1934, de Humberto da Cruz e António Lobato, descritos por um aviador e historiador. Na primeira metade do século XX, aviadores portugueses refizeram pelo ar a saga das caravelas.

– Henry Marsh, Não Faças Mal. Reflexões de um neurocirurgião sobre os erros, a culpa, e o lado humano da medicina, Lua de Papel. Um neurocirurgião britânico muito especial -  fez a sua formação inicial em política, filosofia e economia antes de se graduar como médico - escreve sobre as operações ao cérebro com um dessassombro inusitado. Fala sem receios dos seus erros clínicos, partindo de uma citação de um seu colega francês: “Todos os cirurgiões trazem dentro de si um pequeno cemitério, onde vão rezar de tempos a tempos.” Ao ouvi-lo numa conferência em Lisboa percebi melhor como o erro é o nosso inimigo permanente.  

– George Orwell, Ensaios Escolhidos, Relógio d’Água. 1984 já foi há 32 anos. Mas Orwell, o autor de 1984, para alguns o mais notável ensaísta inglês do século XX, continua actualíssimo. Quase ninguém sabe que ele se chamava Eric Arthur Blair, mas todos conhecem os neologismos “orwelliano”, “cold war”, “Big Brother” e “newspeak”.  A antologia recolhe páginas notáveis sobre literatura, política, guerra, ciência, cozinha, etc. de um socialista que prezava a clareza e não desprezava o humor. Um tiro fascista na garganta durante a Guerra Civil Espanhola não o calou.

– Manuel da Silva Ramos e Miguel Real, O Deputado da Nação, Parsifal. Um romance satírico a quatro mãos sobre os políticos e a política nacional. A nossa classe política sai bastante mal tratada deste livro: o deputado Umbelino Damião chegou ao hemiciclo por ter conhecido num bordel o líder de um partido e, entre outros negócios à sombra da política, vende um rejuvenescedor creme de leite de burra. Hilariante!

– Andrea Wulf, A Invenção da Natureza. As aventuras de Alexander von Humboldt, o herói esquecido da ciência, Temas e Debates. Relato da vida e obra do grande naturalista, geógrafo  e explorador  alemão, Alexandre von Humboldt, o irmão mais novo do linguista e político Wilhelm Humboldt, que fundou a universidade moderna. Alexander viajou no final do século XIX e início do século XX pelas Américas e, na maturidade, escreveu Kosmos, uma obra monumental que influenciou literatos como Edgar Allan Poe, Walt Whitman e Ralph Waldo Emerson. A biografia não o diz, mas um colega e amigo de Alexander foi o brasileiro José Bonifácio de Andrada e Silva, que ensinou Química na Universidade de Coimbra antes de atravessar de volta o Atlântico para ficar conhecido como o “patriarca da independência”.

Boas leituras!

Professor universitário (tcarlos@uc.pt)

Sugerir correcção
Comentar