O pré-pós-crime

A direita nacional e europeia tem de decidir o que quer. Ou uma multa pré-crime para os outros, ou uma multa pós-crime para si.

Manfred Weber, presidente do maior grupo parlamentar europeu, o do Partido Popular Europeu, escreveu uma carta à Comissão Europeia a pedir multas contra Portugal e Espanha por causa dos seus défices. Conheço razoavelmente Manfred Weber. Certa vez vi-o, na mesma tarde, negar que houvesse na Hungria qualquer problema democrático que merecesse intervenção e exigir que na Bulgária se repetissem as eleições porque o resultado não lhe agradava. O facto de o governo húngaro pertencer ao seu partido e de o vencedor das eleições búlgaras pertencer a outro partido não há-de ter deixado de pesar na justificação para as suas “crenças”.

Dessa prioridade que ele dá à conveniência partidária vem também a tal carta em que Manfred Weber “exorta fortemente” que os instrumentos da Comissão, incluindo multas, sejam “usados na máxima força” contra os países com défice acima de três por cento. Quando até o PSD português e o PP espanhol foram surpreendidos pela sanha de Weber, ele mudou rapidamente de tom: afinal o seu medo era apenas que o comissário Pierre Moscovici, que é socialista, aplicasse “flexibilidade apenas a alguns países amigos que partilham da mesma cor política”, referindo-se a Itália e França. Não se percebe se ele quer mão pesada para os adversários ou mão leve para os amigos. Mas percebe-se que, como habitualmente acontece em pessoas assim, ele julga os outros pela sua bitola.

A questão complica-se porque estas sanções, a existirem, diriam respeito ao ano de 2015. Isto lançou uma certa confusão entre o PSD e o CDS aqui em Portugal, porque a dita multa selaria o falhanço do governo anterior em cumprir com os limites do défice, mesmo se descontados os custos do estado com a operação do Banif. Maria Luís Albuquerque escreveu uma carta à Comissão Europeia pedindo a não aplicação de uma multa que, a existir, passaria um atestado de incompetência às suas políticas. E o próprio Passos Coelho fez saber que tinha falado com a Comissão Europeia no mesmo sentido.

Uns dias depois, contudo, a expectativa de ver a Comissão Europeia multar Portugal é demasiado apetitosa para que o PSD e o CDS não se entusiasmem com os embaraços que isso poderia provocar à “geringonça”. E é assim que, segundo um artigo do Expresso, há sociais-democratas portugueses que “admitem que a CE esteja a ponderar penalizar Portugal não pelo passado mas pelo futuro”. Ou seja, conjecturam que a Comissão viole as suas obrigações legais penalizando Portugal não pelo défice excessivo que o governo da direita deixou mas por um hipotético défice futuro do governo da esquerda — apesar de a própria Comissão Europeia ter previsto que ele ficaria abaixo dos três por cento.

A direita nacional e europeia tem de decidir o que quer. Ou quer uma multa pré-crime para os outros, como num filme de ficção científica, ou aceita uma multa pós-crime para si. Pré-pós-crime é que não dá. Ou quer uma multa que seria como um veredito final ao objetivos falhados da sua governação. Ou uma não-multa que será uma boa notícia para o governo atual mas, sobretudo, para o país. A não ser que tenham abandonado qualquer vestígio de consistência política. Nesse caso, devem resolver esse problema adotando uma nova ideologia. Proponho um nome: o cataventismo.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários