Sabia que Moura, há quase 1500 anos, chamava-se Lacant?

À medida que os arqueólogos avançam com novos dados sobre antigos povoados meridionais, as comunidades querem saber como se chamava a sua terra há milhares de anos.

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Uma das placas encontradas DR

Tal como Beja, que no século XXI continua à procura do seu nome de origem no período pré-romano, ou seja, na altura em que corria o século VII a.C, a cidade de Moura busca a sua identidade toponímica no período romano após ter identificado com alguma segurança que na Alta Idade Média se chamava Lacant.

A confirmação surge após a descoberta recente de dois fragmentos de cerâmica, em diferentes locais da cidade de Moura, vestígios que vieram lançar novas pistas sobre o nome que a localidade teria há aproximadamente 1500 anos. Estas peças, datadas do século VII, juntam-se a outras duas encontradas nas proximidades do castelo de Moura nos inícios da década de 90 do século passado, tendo, todas elas, um traço comum: registam a inscrição Eclesiae Sancte Mariae Lacaltensis in Aggripi. Ou seja, algures em tempos remotos, as placas davam conta de existência de uma igreja consagrada a Santa Maria numa localidade denominada Lacalt ou Lacalta, que os investigadores interpretam como sendo o antigo topónimo de Moura.

A continuidade de ocupação do sítio (Moura) entre os séculos V e VIII, “é confirmada pela presença de fragmentos arquitectónicos” na zona urbana da cidade que “terão pertencido a um edifício religioso”, explicou ao PÚBLICO o arqueólogo Santiago Macias. Este investigador é autor, juntamente com José Gonçalo Valente e Vanessa Gaspar, do estudo “Lacant e Laqant: da toponímia antiga à islamização”, inserido na monografia O sudoeste peninsular entre Roma e o Islão, publicada em Março de 2015 pelo Campo Arqueológico de Mértola. Nele salientam que a concentração de peças num só sítio “permite supor” que o nome de Moura seria Lacant, mas não dispõem de “dados suficientes” para afirmar se esta designação se terá estendido à época romana.

Mais certezas existem quanto ao nome de Moura na época islâmica. “A Lacant do século VII corresponde à Laqant dos textos islâmicos”, salienta Santiago Macias actualmente a desempenhar as funções de presidente da Câmara de Moura, acrescentando que a mutação do nome “terá ocorrido nos século X ou XI, mas a sua cronologia não ultrapassa o período califal.”

E destaca a explicação dada, neste sentido, pela epigrafista Manuela Alves Dias quanto à evolução do nome de Lacalt para Laqant assente no facto de “o C não existir” no alfabeto árabe.

Só a partir do século XI é que o nome da comunidade na margem esquerda do Guadiana encontra maior semelhança toponímica (Maura) com o nome que hoje ostenta.

Os investigadores explicam, no documento “Lacant e Laqant: da toponímia antiga à islamização”, que os topónimos pré-romanos foram, primeiro, latinizados. Mais tarde, a língua latina foi substituída pela árabe e, no período da Reconquista, os nomes foram novamente modificados, “tornando irreconhecíveis os topónimos a partir dos dados hoje disponíveis”.

Com frequência, a cristianização do território, acentuada pelo culto mariano e pela renovação da hagiografia, (ciência que se relaciona com as coisas sagradas) “tornam impossível o estabelecimento de relações entre os nomes antigos e actuais", referem os autores. Nem sempre a evolução é linear e os nomes mudam de forma, aparentemente, caprichosa. Um outro exemplo? Primeiro foi Ossonoba, depois Santa Maria do Gharb e, finalmente ... Faro.

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