Collor, de vítima a apoiante do impeachment

O senador, aproveitou o debate sobre a destituição de Dilma para ajustar contas com o próprio passado. Único Presidente submetido a impeachment até agora, Collor votou a favor do afastamento.

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Collor de Mello durante a sessão do Senado que afastou Dilma Rousseff Evaristo Sá / AFP

Entre os 70 senadores que discursaram na sessão do Senado brasileiro que aprovou a abertura de um processo de impeachment contra Dilma Rousseff, apenas um conseguiu silenciar o plenário. Fernando Collor de Mello, removido da Presidência da República há 24 anos por um processo análogo, votou a favor do impeachment da sua quarta sucessora.

Foi “uma dessas oportunidades que só a política brasileira proporciona à História”, resumiu a revista Época. A maior parte dos discursos dos senadores não mereceram a atenção dos senadores durante a longa sessão que terminou já no fim da madrugada de quinta-feira. Mas Collor, que cumpre o seu segundo mandato como senador do estado de Alagoas, conseguiu o raro respeito que se dá a figuras trágicas. Na condição de único Presidente brasileiro destituído por um processo de impeachment até então, a expectativa era que falasse a partir da sua experiência pessoal.

Assim foi: o seu discurso foi uma peculiar defesa da sua inocência, a que se juntou a condenação do governo de Dilma e apelos à reforma do sistema político em nome da moralidade. 

Collor começou por citar o mesmo excerto do jurista e escritor Rui Barbosa que serviu de introdução ao pedido de impeachment que resultou no seu afastamento da Presidência em 1992, e comparou os dois processos. “Os procedimentos são os mesmos. Mas o ritmo e o rigor não. Entre a chegada ao Senado da autorização da Câmara e o meu afastamento provisório transcorreram 48 horas. Hoje estamos há 23 dias somente na fase inicial nesta Casa. O parecer da comissão especial que hoje discutimos tem 128 páginas. O mesmo parecer de 1992 continha meia página, com apenas dois parágrafos. O tempo é outro”, disse. Pediu desculpas  por “voltar atrás no tempo, mas o momento exige-o”.

Collor foi afastado por votação no Senado em Outubro de 1992 e o seu julgamento começou em Dezembro, mas ele demitiu-se nessa altura, numa tentativa de evitar o impeachment e a perda dos seus direitos políticos. O julgamento foi mantido e, por 76 votos contra 3, o primeiro Presidente brasileiro eleito por voto popular desde 1960 perdeu o mandato e foi declarado inelegível durante oito anos.

No seu discurso no Senado, quarta-feira à noite, Collor sublinhou que dois anos depois foi absolvido de “todas as acusações” pelo Supremo Tribunal Federal. “Portanto, dito pela maior autoridade judicial do país, não houve crime. Mesmo assim, perdi o meu mandato e não recebi qualquer tipo de reparação. Pelo contrário”, declarou.

Ele disse que tentou alertar Dilma sobre o risco de impeachment, mas não foi ouvido. “Alertei-a sobre a possibilidade de sofrer impeachment, mas não me escutaram. Coloquei-me à disposição. Ouvidos de mercador. Desconsideraram as minhas ponderações. Relegaram a minha experiência.” Ele criticou o governo de Dilma pela deterioração económica do país, excessiva intervenção estatal e falta de diálogo com o Congresso. Apesar de não ter revelado durante o seu discurso como iria votar, mais tarde votou a favor da instauração de um processo de impeachment.

O ex-Presidente, que afirmou que o Brasil “jamais passou por uma confluência tão aguda de crises na política, na economia, na moralidade e na institucionalidade”, é alvo de cinco inquéritos no Supremo Tribunal Federal ligados à Operação Lava Jato. Num dos processos, é acusado de ter recebido 26 milhões de reais (6,5 milhões de euros) de suborno no esquema de corrupção que existiu na Petrobras. Em Julho do ano passado, a Polícia Federal apreendeu quatro carros de luxo pertencentes a Collor que supostamente terão sido comprados com esse dinheiro. Os carros foram devolvidos três meses depois, mas os seus documentos ficaram retidos no Supremo.

 

 

 

 

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