Indemnizar os piratas é de lei ?

A jovem dinamarquesa defendeu-se e vai ser julgada.

As relações entre a justiça, os tribunais, as leis, o senso comum e o bom senso, como sabemos, nem sempre são evidentes, gerando-se, por vezes, incompreensões e tensões no tecido social.

Condenado a 21 anos de prisão extensíveis, por ter morto oito pessoas num ataque bombista em Oslo e mais sessenta e nove, na sua grande maioria jovens, na ilha de Utoya, em Julho de 2011, Breivik apresentou em tribunal uma queixa contra o Estado norueguês por estar a ser submetido a tratamentos desumanos e degradantes e a ver violado o seu direito ao respeito da vida privada e familiar e do sigilo de correspondência.

O tribunal norueguês, na semana passada, decidiu que, de facto, o isolamento a que está submetido Breivik constitui um tratamento desumano tendo em conta a Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Breivik, embora tenha três celas para si, televisão, computador sem acesso à Internet e uma consola para jogos, vive, desde que está preso, em quase total isolamento, sem contacto com os outros prisioneiros e com as visitas exteriores restringidas a técnicos; nestes cinco anos, só esteve uma vez, cinco minutos, com a mãe pouco antes de esta morrer de cancro, tendo-se abraçado.

O tribunal, contudo, não deu razão a Breivik quanto à outra queixa, a alegada violação da vida privada e familiar e da correspondência, dando razão ao Estado norueguês quanto à necessidade de restringir os contactos de Breivik com o exterior e de vigiar a sua correspondência, dado que continuava a ser um terrorista pronto a criar redes criminosas. Breivik pretendia mesmo ter direito a receber “simpatizantes”...

As reacções a esta decisão, relatadas no jornal Le Monde, de dois sobreviventes do massacre da ilha de Utoya, são esclarecedoras: um, disse que a decisão a favor de Breivik mostrava que o sistema judicial norueguês funciona e respeita os direitos humanos mesmo em condições extremas, mas o outro, que fora baleado por Breivik cinco vezes, uma delas na cabeça, resumia os seus sentimentos desta forma: “Viva o Estado de direito e tudo isso, mas isto é absurdo”.

Na verdade, por muito que custe ao senso comum, o direito alberga alguns absurdos. Mais difícil de engolir poderá ser para alguns, a decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) do dia 4 de Dezembro de 2014 no caso Ali Samatar e outros contra França.

Basicamente os queixosos eram piratas somalis que tinham sido capturados em 11 de Abril de 2008 pelas forças francesas após terem sequestrado um navio francês e recebido um resgate de 2 milhões e 150 mil dólares contra a entrega dos reféns. Presos na Somália, só chegariam a França no dia 16 e só no dia 18 foram apresentados a um juiz, sendo que a lei francesa prevê um prazo de 48 horas para a apresentação do detido a um juiz. Queixavam-se do excessivo tempo de detenção até terem sido apresentados ao juiz em violação de um artigo da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) que determina que “qualquer pessoa presa ou detida deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo”.

E o TEDH considerou que o facto de terem sido presos em território da Somália e as dificuldades de transporte até França justificavam os 5 dias que separavam a detenção dos piratas somalis da sua chegada a solo francês mas o que já não se justificara, tendo em conta a obrigação de imediata apresentação a um juiz imposta pela CEDH, fora, depois de estarem em solo francês, esperarem 48 horas para ser efectuada tal apresentação.

E o TEDH condenou o Estado francês a entregar 2 mil euros a cada um dos piratas a título de indemnização pelos danos morais sofridos com o excesso de tempo para serem apresentados a um juiz; piratas que tinham sido presos com uma parcela do vultuoso resgate pago pelo governo francês ainda em seu poder. Como diria um dos sobreviventes do massacre da ilha de Utoya, “O Estado de direito e tudo isso, porreiro, mas isto é absurdo”.

Para terminar, nesta digressão pelos absurdos do direito e da justiça, a heroína não tem nome: é uma jovem dinamarquesa de 17 anos que, no passado mês de Janeiro, para se defender de uma tentativa de violação, utilizou um spray de gás pimenta com o que conseguiu que o violador a largasse depois de este já lhe ter desapertado as calças e tentado tirá-las.

Entra a Justiça: a jovem, anunciaram os media dinamarqueses, vai ser julgada pela posse do spray de gás pimenta que é ilegal naquele país, tal como no nosso. Esta notícia nos EUA – país das armas em casa – é recebida e comentada como um verdadeiro absurdo e há que dizê-lo: é de lei, mas espera-se que a jovem seja absolvida. No fundo, as decisões dos tribunais podem ser ou não absurdas mas convém, sobretudo, que não sejam estúpidas.

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