Os jihadistas continuaram em Bruxelas a matança começada em Paris

Todos os bombistas identificados pela polícia belga pertenciam ao grupo de radicais que atacou Paris em Novembro. Há mais de sessenta pessoas ainda nos cuidados intensivos e um terrorista em fuga.

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Os três suspeitos no aeroporto, o de branco é o homem que continua em fuga Reuters
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O cair de noite trouxe velas à vigília na Praça da Bolsa. Christian Hartmann/Reuters

As grandes matanças terroristas do último ano fizeram com que se tornasse lugar-comum dizer de uma cidade que ela aprendeu a viver com o medo. Isso é particularmente visível em Bruxelas. Nos cinco dias que se seguiram aos atentados de 13 de Novembro em Paris, a capital belga fechou-se sobre si mesma, temendo um ataque dos mesmos homens que no país vizinho tinham acabado de matar 130 pessoas. O centro da cidade tornou-se um espaço fantasma, viam-se tanques e militares nas ruas; escolas e metro encerraram durante quase uma semana. Nesta quarta-feira, porém, um dia depois de ter sido Bruxelas a atingida pela ânsia sangrenta do grupo Estado Islâmico e apesar de haver um atacante em fuga, a cidade parecia ter aprendido a conviver com a ameaça ubíqua do terrorismo contemporâneo.

À excepção de uma linha de metro e uma outra de eléctrico, vistorias de segurança que criaram filas enormes na Estação Central de Bruxelas e estação de comboio de Charleroi, por exemplo, os serviços da capital funcionaram quase na normalidade. O metro encerrou mais cedo, às sete da tarde, como acontecerá também na quinta-feira. O aeroporto de Zaventem, atingido por duas bombas, continuará encerrado até sábado. Mas, no centro de Bruxelas, na Praça da Bolsa, onde na terça-feira se organizou um memorial improvisado, uma grande multidão observou um minuto de silêncio que terminou em aplausos e “Viva à Bélgica!”.

“Os autocarros estiveram mais vazios do que o habitual, as ruas um pouco mais calmas”, explica a correspondente da revista Time em Bruxelas. “Mas há também resiliência entre os habitantes e o desejo de que em breve se possa voltar àquele provocação, àquele estoicismo de um país que se manteve unido apesar de um movimento resoluto para a independência de um Norte com idioma holandês”, argumenta. Apesar de tudo, escreve Charlotte McDonald-Gibson, a cidade já fez a aprendizagem do medo. “Não é um terror que consome tudo e que nos acompanha a qualquer momento, mas uma incómoda impressão de insegurança nos cantos da mente.”

A cidade está longe de cicatrizar das bombas. Há ainda 61 pessoas nos cuidados intensivos, mas mantêm-se os mesmos 31 mortos contados terça-feira, apesar de notícias não confirmadas de um cadáver ter sido encontrado nos destroços de Zaventem. O número de pessoas com ferimentos graves, no entanto, sugere que este não será o cálculo final das vítimas. Alguns têm ferimentos causados por queimaduras graves, outros por estilhaços de bomba — “ferimentos de guerra”, como disse ao Guardian um médico belga. Os serviços médicos afirmaram nesta quarta-feira terem contado 300 feridos de 40 nacionalidades, muitos dos quais regressaram no dia seguinte aos ataques com problemas auditivos causados pelas explosões.

A ligação parisiense

A rede de terroristas que atacou Paris em Novembro sobreviveu a quatro meses de grandes operações e investigação para continuar na terça-feira em Bruxelas a carnificina começada na capital francesa. Os três bombistas-suicidas identificados esta quarta-feira eram já procurados pelo seu envolvimento nos ataques de Paris. Há um único suspeito não identificado em fuga, cujas ligações se desconhecem. É o terceiro homem do ataque ao aeroporto: deixou lá uma mala cheia de explosivos e pôs-se em fuga, enquanto os seus dois companheiros se fizeram explodir. Na fotografia capturada momentos antes do ataque, é o primeiro a contar da direita, de chapéu negro e casaco branco.

Os três bombistas são Ibrahim e Khalid el Bakraoui — irmãos — e Najim Laachraoui, este último identificado não oficialmente pelo diário Le Monde e agência France-Press. Todos participaram nos atentados de Novembro. Um dos irmãos Bakraoui arrendou sob nome falso um apartamento onde dois terroristas se encontraram antes de atacarem a capital francesa e fez o mesmo com a residência onde há uma semana a polícia entrou em tiroteio com três suspeitos jihadistas. Nesse dia escaparam duas pessoas: o principal fugitivo de Paris, Salah Abdeslam, foi uma delas. Pensa-se que a segunda tenha sido Laachraoui, que ajudou a planear e preparar explosivos para os ataques de Paris e foi um dos dois homens a fazerem-se explodir no aeroporto de Zaventem.

De volta à manhã dos acontecimentos de terça-feira. Dois minutos antes das oito da manhã, hora local, o irmão Bakraoui mais velho, Ibrahim, de 30 anos, fez-se explodir no balcão número 11 da zona de embarque do aeroporto de Zaventem. Nove segundos mais tarde, Najim Laachraoui fazia-se também detonar, mas no balcão número dois. Os explosivos detonados no aeroporto estavam em malas, não em coletes suicidas, como aconteceu em Paris. A maior carga, aliás, transportada pelo homem que se pôs em fuga, acabou por não detonar no momento pretendido e, quando o fez, não feriu ninguém. Mais de uma hora depois, Khalid Bakraoui fez-se explodir numa carruagem de metro, matando mais de 20 pessoas.

Os três homens que atacaram o aeroporto viajaram para lá de táxi. Queriam inicialmente transportar cinco malas, mas o carro tinha apenas espaço para três. Suspeita-se que o suspeito a monte — o único que não se fez explodir — já planeara a sua fuga antes, visto que só os dois bombistas usavam uma luva apenas na mão esquerda, presumivelmente para ocultar um detonador. Através do taxista, as autoridades chegaram ao bairro de onde os homens partiram: Schaerbeek, onde se realizaram buscas na tarde de terça-feira e se encontrou material suficiente para fazerem “mais dez grandes bombas”, de acordo com um especialista em explosivos contactado pelo Guardian.

Acabar na prisão

A polícia fez também um achado raro: Ibrahim deixara um computador para trás no seu apartamento, onde escreveu um texto de despedida. O procurador-federal belga, Fréderic van Leeuw, narrou-o aos jornalistas numa citação muito livre. “Ele explica que está a agir à pressa, que não sabe mais o que fazer, que é procurado em todo o lado e que se arrisca a acabar a sua vida numa prisão, se não fizer nada.” O escrito não menciona o nome de nenhum cúmplice, mas faz referência a “um irmão” encarcerado, que se pensa que poderá ser Salah Abdeslam, capturado na sexta-feira depois de mais de quatro meses em fuga.

Às perguntas que se amontoavam já sobre o que terá impedido às autoridades encontrarem vários suspeitos ligados aos atentados de Paris depois de quatro meses de operações e de, acima de tudo, não conseguirem impedir essas mesmas pessoas de lançarem um novo ataque coordenado, esta quarta-feira juntou-se uma nova questão embaraçosa. O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, afirmou que as autoridades belgas ignoraram em 2015 alertas enviados pelo seu país em relação a Ibrahim Bakraoui, que se detonou no aeroporto.

O extremista foi detido em Maio na Turquia ao tentar viajar para a Síria para combater com o grupo Estado Islâmico. A Bélgica não pediu a sua extradição a tempo e Ibrahim ficou em liberdade na Europa. A situação, porém, não é incomum: muitos dos terroristas que atacaram Paris eram conhecidos pelas autoridades europeias por terem combatido na Síria e em Bruxelas há dezenas de antigos combatentes jihadistas em liberdade. 

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