As notas ao discurso de Marcelo

Marcelo Rebelo de Sousa foi durante anos o professor que avaliava os outros, nas aulas e nos media. Agora é a vez de ser ele o avaliado.

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Edite Estrela

Deputada do PS

14/20

O professor Marcelo, o mediático comentador político, habituou-nos ao estilo descontraído e até simpático e a um registo muito informal em que usava sempre um jogo fisionómico muito peculiar e uma linguagem corporal muito expressiva. Ao tomar posse como Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa soube adequar o estilo e o discurso à função e adoptou a inerente pose de Estado. Parece que não quis desperdiçar esta primeira oportunidade para causar uma primeira boa impressão. Ou seja, o discurso que ele fez aqui, na Assembleia da República, foi um discurso moderado. Por outro lado, usou termos pouco habituais no discurso político, como doçura, afecto, e fez referência à família, designadamente aos filhos e aos netos. 

Marcelo Rebelo de Sousa vai esforçar-se por ser o Presidente de todas e de todos, se o vai conseguir ou não só o tempo o dirá.

No discurso de tomada de posse, o novo Presidente tentou piscar o olho a toda a gente: aos jovens, à mulher, ao cientista, ao pensionista, ao empresário e ao trabalhador por conta de outrem.

O Presidente demarcou-se dos quatro anos que geraram pobreza, desigualdades e fragilizaram o tecido social e, por isso, contrapôs a seguir a via da convergência, no diálogo, no entendimento e na esperança. Ou seja, ele piscou o olho a todos e a todas.

Assunção Cristas

Deputada do CDS

19/20

Gostei do discurso do Presidente da República porque teve um sentido de optimismo e também de valorização desta comunidade de afectos que antes de mais é Portugal. Achei isso muito bem. Penso que nós também precisamos desse patriotismo e desse cimento e Marcelo Rebelo de Sousa empenhou-se em sublinhar sobretudo aquilo que nos une a todos enquanto portugueses e portuguesas. O novo Presidente deu também continuidade à visão sobre o mar enquanto uma estratégia nacional. Achei muito positivo e num outro domínio gostei igualmente da forma como a cultura perpassou o discurso.

Estas são as três notas de fundo que eu registei, mas há uma quarta nota que já era expectável: a da qualificação do papel do Presidente enquanto promotor de consensos e alguém que procurará estar na linha da moderação e da arbitragem, mas activamente buscando consensos.

Além da questão da pobreza, o Presidente falou ainda de um outro tema importante: as finanças sãs, que promovam crescimento. É uma preocupação genuína, até porque é preciso encontrar o tom certo para todas estas temáticas. Mas julgo que a questão da pobreza foi bem referida.

Luís Mira Amaral

Presidente-executivo do banco BIC Portugal

18/20

Foi um excelente discurso, muito abrangente, com grandes preocupações de equilíbrio entre o económico e o social, um discurso social-democrata, com uma visão correcta dos equilíbrios entre o financeiro e a parte social. Uma mensagem ecuménica e abrangente em termos da globalização em que estamos inseridos, não esquecendo a nossa componente europeia, nem a dos países da Lusofonia. Foi um momento alto da investidura. O ponto negativo foi o comportamento da esquerda radical, PCP e BE, que não aplaudiu um discurso que deveria agradar a todas as correntes políticas. Esta esquerda radical, que com o PS tem a maioria no Parlamento, não reconhece a maioria do Presidente eleito? Este comportamento mostra que, no fundo, há uma diferença entre o PS e a esquerda radical: o PS aplaudiu e a esquerda radical não.

João Semedo

Ex-deputado do BE

9/20

Um discurso que frustrou a expectativa. Marcelo ia finalmente falar, deixando para trás os silêncios e as meias palavras da campanha, dizendo finalmente o que pensa e ao que vem. Não foi assim. Ouvido o discurso, fica a sensação de que podia ter sido feito por qualquer outro Presidente, em qualquer outro tempo e circunstância. Foi um discurso de lugares comuns, colorido com algumas referências literárias e históricas, entre as quais uma infeliz citação de Mouzinho de Albuquerque mais própria de um antigo ministro do Ultramar.

Fica por saber se a afirmação “a Constituição não é intocável” traduz alguma intenção de favorecer a sua revisão. Como fica por perceber como fará Marcelo a pacificação dos conflitos e a cicatrização das feridas se nos lembrarmos que, num e noutro caso, são o fruto da governação dos partidos que o apoiaram. Se o comentador Marcelo fosse chamado a classificar o discurso do Presidente Marcelo, não lhe dava sequer suficiente. E eu concordaria com ele, de zero a vinte, dou-lhe nove.

Há cinco anos, com Cavaco, os cravos caíram da tribuna. Hoje, com Marcelo, não havia cravos, havia rosas. No final, já estavam a murchar.

Rui Rio

Ex-presidente da Câmara do Porto

18/20

Quando um Presidente da República inicia um primeiro mandato, tem de começar por ganhar o seu espaço enquanto tal. Porque se é formalmente Presidente no momento seguinte à tomada de posse, só o é verdadeiramente depois de conseguir conquistar o respeito e a afectividade do povo. Esse percurso inicial tem de ser construído, acima de tudo, por simbolismos e por palavras; palavras que procurem unir, moralizar e educar. Depois, uma vez conquistado o espaço vital, conquistado o respeito e a afectividade do povo, terão de vir os actos. E esses, não poderão ser tão abrangentes. Terão de ser direccionados para os reais problemas que o país e o regime enfrentam, e que, infelizmente, assumem, hoje, uma escala de enorme complexidade. Terão de ser, em coerência com o teor das palavras proferidas e com a situação nacional, prudentemente arrojados. Como texto de tomada de posse de um primeiro mandato, o discurso do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa foi perfeitamente adequado, muito bem elaborado e inteligentemente respeitador do que eu entendo que lhe cumpre fazer neste seu início de mandato como Presidente da República.

Diogo Ramada Curto

Historiador, IPRI-Nova

11/20

Comunicador de excelência, Marcelo não proferiu o seu melhor discurso. Pelo contrário, o que nele mostrou foi um somatório de referências obsoletas, para não lhes chamar bacocas. Lamento dizê-lo.

Mas será importante que o novo Presidente da República se convença, desde o início, que os portugueses são muito mais exigentes do que os espectadores da TVI.

Começo pelos aspectos positivos. Entre eles contam-se os apelos à união, à formação de consensos, à criatividade e a uma visão ecuménica dos portugueses. E, ainda, a uma menção explícita ao que foi o “Império Colonial”, uma expressão de que muitos têm medo, na qual se reconhece um modo de enterrar o passado, em lugar de o comemorar. Depois, vêm as referências ao papel do Presidente como guardião da Constituição, enquanto Lei Fundamental da nossa identidade. Há, também, que registar com apreço o cuidado posto na referência às mulheres e à necessidade de atenuar as desigualdades de género, bem como o “combate à corrupção, ao clientelismo, ao nepotismo”. E, por último, há uma formulação complexa, mas certeira, acerca do papel do Estado, regulador e activo na criação de uma sociedade mais igualitária, mas que não deve cair numa espécie de dirigismo da sociedade civil, por mais débil que esta possa parecer.

Porém, os aspectos negativos abundam. Erro crasso é escrever que os presidentes da República formam uma “linhagem”, um termo que só se aplica aos regimes monárquicos e à sucessão nobiliárquica. Depois, o que tem “o amor à terra” dos nossos antepassados que ver com a “crença em milagres de Ourique” – uma construção dos alcobacenses que Alexandre Herculano tão bem criticou, como obsoleta e bacoca? Imagino como terá sido entendida, pelo Presidente de Moçambique, a frase não identificada de Mouzinho de Albuquerque, que capturou Gungunhana em Chaimite, “este Reino é obra de soldados”! Não haveria outros modos de valorizar as forças armadas e o seu papel, tantas vezes modernizador, na construção da nação? Noto, também, com desagrado, que a referência à presença maciça de pobres é feita num quadro caritativo, tradicional, e quase não é formulada em termos de um ataque à desigualdade social. Difícil de entender é por que razão a referência à CPLP não especifica o Brasil, e a que é feita à Aliança Atlântica não faz sobressair os Estados Unidos.

Pior é verificar que, do ponto de vista de quem quer unir, nem uma única menção existe aos emigrantes que partiram em busca de trabalho e oportunidades de vida.

Apesar de desconfiar dos estafados discursos da identidade portuguesa, que carecem em muitos dos casos de base analítica, esfumando-se em labirintos e medos de existir, será de notar que a vocação universal e marítima dos portugueses foi formulada por António Sérgio e Jaime Cortesão. Teriam sido estes os autores a citar e não António Lobo Antunes. O mesmo se passa com o debate historiográfico que opõe provincianismo castiço versus estrangeirados, em relação ao qual Miguel Torga – citado extensamente no final do discurso – foi, apenas, um herdeiro dos termos criados pelos referidos Sérgio e Cortesão.

Enfim, enquanto parte integrante de um conjunto de ritos de instituição, o discurso do novo Presidente merece ser lido, mas necessita de ser revisto por quem foi sempre um bom aluno e professor.

Estou, ainda, convencido de que, no seu conjunto, as cerimónias oficiais – incluindo o momento religioso e ecuménico, equivalente ao da antiga sagração dos reis, o banquete e os concertos nocturnos dados em espectáculo ao povo – vão acabar por abafar o discurso em causa.

António Pinto Ribeiro

Ensaísta e programador cultural

15/20

O discurso do Presidente pode ser dividido em duas partes. Uma primeira que vai até à evocação do presidente da Assembleia da República e uma segunda que constitui o restante discurso. A primeira, embora curta, é a mais interessante. É a parte em que existe um autor identificado por uma biografia de que resulta um trecho com um estilo que, aliás, tem tudo para derivar para uma intervenção performática. E com este estilo se inicia uma oratória que de imediato termina quando o discurso passa a ser normativo e expectável. Passa a ser o texto da função presidente e, embora claro e fluido, propõe uma revisão positiva da arte de ser português, até por vezes tocar uma dimensão mítica para os portugueses a quem o destino confia uma vocação universal. Não será por acaso que a citação maior e conclusiva é de Miguel Torga, o poeta da pátria telúrica, o poeta dos versos que fundam a Heimat portuguesa. Pretende, pois, ser um texto mobilizador mas baseado nas qualidades intrínsecas e essencialistas de ser português. Eu teria preferido que o autor tivesse desenvolvido a oratória inicial e assim ter palavras que iluminassem o futuro. Seria legítimo reclamar disto a um homem que anunciou um outro exercício de poder?

Patrícia Teixeira Lopes

Associate Dean da Porto Business School

16/20

O discurso do novo Presidente da República foi essencialmente um discurso de inspiração para os portugueses. Apresentou uma visão para o país. E, nesse registo, trouxe-nos uma visão optimista, mobilizadora. Percebemos que o Presidente sabe onde é que o país quer chegar, em que ponto quer estar dentro de algum tempo, e explicou-o de uma forma abrangente, abarcando os vários sectores da sociedade. E se, por essa abrangência e essa visão, merece o meu 16, a nota não é superior porque entendo que faltou a explicação sobre a estratégia para lá chegar. Devia ter apresentado a forma como vamos atingir os objectivos que enunciou e, nessa matéria, considero que faltou uma referência à forma como podemos restaurar a confiança na economia portuguesa, em particular no sector financeiro, com vista a atingir o tão necessário crescimento económico. Este crescimento é que nos permitirá atingir muitos dos objectivos a que fez referência, como seja a criação de mais riqueza, mais emprego e de reduzir as desigualdades sociais. O novo Presidente da República mostrou visão para o país mas não foi claro na estratégia para lá chegar.

 
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