A regra não escrita que salvou o OE do chumbo europeu

Portugal evitou um sinal vermelho inédito ao seu OE em Bruxelas. Conseguiu, com uma redução do défice estrutural de 0,1 pontos ficar no limite do que era exigido por Bruxelas.

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Pierre Moscovici, comissário europeu dos Assuntos Económicos JOHN THYS/AFP

Ao fim de uma semana de negociações, com complexas discussões metodológicas e mais de 1000 milhões de novas medidas a serem apresentadas, o Governo português conseguiu o que queria em Bruxelas. É verdade que a Comissão Europeia continua a criticar a proposta de OE portuguesa e a dizer que contém muitos riscos, mas pelo menos não apresentou o veredicto inédito que mais se temia, o de que o país está em “incumprimento particularmente sério” do Pacto de Estabilidade.

O Governo evitou ter de apresentar uma nova versão do orçamento às autoridades europeias e fê-lo porque cumpriu uma regra, que não está presente em nenhum regulamento, mas que a Comissão utiliza para estabelecer a fronteira entre dizer que um país está em “incumprimento particularmente sério” ou apenas em “risco de incumprimento”.

Esta regra foi esta sexta-feira várias vezes referida pelos comissários Valdis Dombrovskis e Pierre Moscovici para justificarem a decisão tomada. Nas suas avaliações, a Comissão Europeia garante uma margem de erro de 0,5 pontos percentuais aos países que, nos seus esboços de orçamento, não conseguem apontar para o objectivo pré-definido de redução do défice estrutural.

No caso português, as contas são as seguintes. O Conselho da EU tinha estabelecido em Julho que Portugal teria de baixar em 0,6 pontos percentuais o valor do défice estrutural (o indicador que mede o esforço de consolidação orçamental de um país). No esboço do OE, o Governo previa uma redução de 0,2 pontos, mas a Comissão não concordou com a forma como se chegou a esse valor.

Concluídas as negociações, a Comissão acabou por reconhecer que a redução do défice estrutural conseguida pelo Governo português está situada entre 0,1 e 0,2 pontos percentuais. Isto é mesmo no limite da margem de erro de 0,5 pontos que os comissários referiram que a Comissão oferece.

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A insistência de Dombrovskis e Moscovici em falar da existência desta regra está no facto de quererem mostrar que a decisão de deixar passar o orçamento europeu não foi tomada por influência de factores ´subjectivos ou de ordem política.

Questionados sobre se não estariam a abrir a porta ao não cumprimento estrito das regras a países como a Espanha e a Itália, os comissários insistiram: estamos apenas a cumprir as regras. Neste caso, uma regra não escrita.

Os responsáveis pela avaliação do OE português fizeram no entanto questão de não passar a imagem de que tudo é fácil agora para Portugal. Pierre Moscovici disse que, “apesar de as novas medidas reduzirem o risco de violação das regras do Pacto de Estabilidade, os riscos não foram eliminados”. E deixou um aviso: “Estaremos muito atentos a esses riscos. Seremos muito vigilantes." Explicou que as próximas avaliações ao desempenho das finanças públicas portuguesas serão feitas na Primavera, no âmbito do procedimento por défices excessivos em que Portugal ainda se encontra, quando for feita a análise às contas finais de 2015, quando o Governo apresentar o seu Programa de Estabilidade e quando Bruxelas apresentar as suas previsões de Primavera.

Coincidência ou não, ao mesmo tempo que os comissários tomavam a sua decisão, o primeiro ministro português encontrava-se com a sua homóloga alemã. Na conferência de imprensa que se seguiu ao encontro, as palavras sobre o orçamento foram poucas. “Não vim naturalmente incomodar a senhora Merkel com o Orçamento português, porque já tem de se preocupar com o seu próprio orçamento.”, disse António Costa. "O antecessor de António Costa conseguiu coisas impressionantes", respondeu Merkel.

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