Costa obrigado a jogar em dois tabuleiros

É possível agradar a Bruxelas e não hipotecar os acordos à esquerda e as promessas eleitorais?

António Costa já provou ter uma capacidade de conciliar o que à partida parece inconciliável. E o desafio que se avizinha vai exigir dele uma enorme capacidade de negociação e uma grande perícia de comunicação. Como já seria de esperar, Bruxelas não está propriamente convencida com os planos dos socialistas para consolidar as contas públicas. Tal como noticiou o PÚBLICO, a Comissão Europeia está a exigir a Mário Centeno que fixe como objectivo no Orçamento para 2016 uma meta para o défice abaixo dos 2,8% previstos nos programas eleitoral do PS e no do Governo. Para Bruxelas é a única forma de garantir que o défice estrutural – aquele que não tem em conta os efeitos cíclicos – possa baixar 0,5 pontos percentuais, uma correcção em linha com aquilo que exige o Tratado Orçamental.

O primeiro-ministro sabe que uma previsão mais baixa para o défice não será bem vista pelo Bloco, PCP e PEV, já que tal poderá implicar, a médio prazo, não desacelerar tanto na austeridade, ou, eventualmente, até adoptar medidas adicionais menos simpáticas de consolidação. Confrontado com a notícia do PÚBLICO e com as exigências de Bruxelas, António Costa não tentou escamotear a realidade: “Estamos perante um exercício orçamental exigente e difícil, mas iremos conseguir obter uma redução do défice estrutural e do défice nominal sem sacrificar aquilo que são os compromissos assumidos com os portugueses e os compromissos assumidos com os nossos parceiros.”

Costa tenta fazer a quadratura do círculo, já que terá a consciência de que conciliar a redução do défice com os tais compromissos à esquerda poderá ser tarefa de difícil execução. Mas já se percebeu que Costa não dá ponto sem nó e que leva muito à letra a máxima "o caminho faz-se caminhando". As declarações do primeiro-ministro são antes de mais um preparar caminho para que os partidos mais à esquerda do PS não sejam apanhados de surpresa por uma negociação da qual sairá um valor mais conservador e exigente para o défice. Por outro lado, ao dizer que as instâncias europeias pretendem que o Governo cumpra as reduções de défice nominal e estrutural “não alcançadas em 2015”, está naturalmente a tentar passar o ónus da decisão para o Governo anterior. E, ao afirmar que não vai sacrificar os compromissos assumidos, António Costa dá a ideia de estar a bater o pé a Bruxelas, apesar de saber que no Orçamento terá de inscrever o valor que lhe seja ditado pela Comissão. É uma estratégia que nesta altura beneficia de alguma tolerância de Bruxelas, que está mais preocupada em manter as aparências, e do facto de os mercados não penalizarem muito os juros da dívida por estarem anestesiados com a injecção de liquidez do BCE. E Costa ganha, pelo menos, tempo para provar a sua tese de que aliviando a austeridade a economia tratará de consolidar as contas públicas. É um jogo arriscado, mas não impossível de ganhar.

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