Governo prepara mudanças no abastecimento das águas municipais

Novo modelo apresentado em Fevereiro. Ministério do Ambiente envia carta ao regulador para que crie uma unidade técnica de apoio aos municípios.

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A mudança que reduziu os anteriores 19 sistemas para apenas cinco foi muito contestada pelos municípios Daniel Rocha

O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, pediu ao presidente da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), Orlando Borges, para criar uma unidade técnica de apoio aos municípios, que os ajude a decidir como querem, no futuro, gerir os sistemas de água em baixa. É o primeiro passo para reverter a reestruturação do sector das águas, feita pelo anterior executivo. O novo modelo para o sector deve ser apresentado em Fevereiro.

O pedido de Matos Fernandes seguiu para a ERSAR numa carta a que o PÚBLICO teve acesso e em que o ministro deixa claro que as alterações ao sector aplicadas pelo executivo de Pedro Passos Coelho “erraram o alvo”. Desde logo, porque se centraram nos sistemas “em alta” [ou seja, a captação e distribuição de água na origem], quando, para o ministro “o verdadeiro problema técnico, de gestão e de justiça tarifária se situa nos sistemas municipais [“em baixa”, a distribuição aos edifícios], pode ler-se no documento.

É, por isso, pelos municípios que o ministério quer começar a actuar e é a esse nível que é pedida a colaboração da ERSAR. O responsável pelo Ambiente esclarece na missiva que a unidade técnica, a ser constituída no seio da entidade reguladora, deve, “no integral respeito da autonomia dos municípios”, apoiá-los, “nas valências técnica, económico-financeira e jurídica” em dois domínios essenciais – na renegociação de contratos de concessão já celebrados e na análise comparativa dos modelos de gestão para os sistemas municipais de águas.

A carta clarifica que “este modelo terá por base a iniciativa dos municípios e visa a capacitação dos mesmos para a livre escolha dos modelos disponíveis para a exploração e gestão dos serviços de águas”. Aliás, o documento insiste que quaisquer alterações que venham a ocorrer serão feitas “a par e passo com os municípios”, defendendo que estes devem estar dotados de todas as capacidades técnicas para efectuarem “a livre escolha dos modelos de gestão disponíveis para a exploração e gestão dos seus serviços”.

Este é o primeiro passo para que seja cumprido o ponto do programa do governo de António Costa que defendia a reversão da reestruturação do sector das águas. Na carta que enviou ao presidente da ERSAR, Matos Fernandes relembra que esse programa previa, entre outros aspectos, “a reversão das fusões de empresas de água que tenham sido impostas aos municípios” e “a renegociação, em conjunto com as autarquias, dos contratos de concessão de primeira geração […] cujo desempenho deixa muito a desejar quanto ao nível de serviço prestado e que, paradoxalmente, proporcionam aos concessionários taxas de rentabilidade absolutamente desproporcionadas e inaceitáveis à luz das regras de um mercado saudável, com elevados encargos financeiros para o cidadão”.

A mudança do sector da água, que reduziu os anteriores 19 sistemas para apenas cinco, foi muito contestada por vários municípios, sobretudo no litoral, incluindo os das áreas metropolitanas do Porto e Lisboa. O processo foi alvo de vários processos interpostos por diversas autarquias em tribunal, mas o executivo de Passos Coelho insistiu sempre que as mudanças eram benéficas para os municípios do interior, que veriam os seus custos reduzidos, graças à fusão. Na carta que seguiu para a ERSAR, o ministro do Ambiente aponta as três razões para que as alterações implementadas terem sido um erro – o facto, conforme já foi referido, de a tónica ter sido colocada nos sistemas “em alta”, em vez de “em baixa”; por terem “destruído sistemas que funcionavam bem, diluindo-os noutras com dificuldades, e concentrando na ‘sede’ da Águas de Portugal a capacidade técnica do sector, eliminando centro de saber espalhados pelo país”; e porque “nem enfrentaram os verdadeiros problemas dos sistemas ‘em alta’ do interior do país, uma vez que o resultado das mudanças apenas conduziu a uma redução de tarifas aos municípios, quase sempre sem reflexo nos consumidores, e tornando perene uma situação insustentável caso os sistemas municipais desta importante fatia do país não sofram uma transformação de gestão”.

O final do Fevereiro é o prazo para que a unidade técnica de apoio aos municípios, pedida pelo ministro, esteja a funcionar, bem como o prazo para que o ministério de Matos Fernandes apresente a sua proposta para o sector, e que deverá pôr fim à fusão aplicada pelo Governo anterior, nos casos em que ela foi claramente contra a vontade dos municípios afectados. No Verão, deverá estar tudo pronto para que um novo diploma seja levado à Assembleia da República.

Texto actualizado às 9h15, com a correcção da referência à Águas de Portugal, e não Águas do Porto.

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