E às 15h30 os brasileiros respiraram de alívio: tinham o Whatsapp de volta

Juíza determinou a suspensão da aplicação de troca de mensagens em todo o território nacional durante 48 horas por causa de uma investigação judicial

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Metade da população brasileira depende do Whatsapp YASUYOSHI CHIBA/AFP

O Brasil acordou sem WhatsApp na quinta-feira de manhã por ordem judicial. Uma juíza de São Bernardo do Campo, no estado de São Paulo, determinou a suspensão da aplicação de troca de mensagens em todo o território nacional durante 48 horas a partir da meia-noite de quarta-feira devido à recusa do WhatsApp em disponibilizar dados solicitados para uma investigação criminal. Como se trata de um processo que se encontra em segredo de justiça, cerca de 100 milhões de brasileiros que dependem do WhatsApp para as suas comunicações diárias deixaram de poder utilizar a aplicação, mas sem ter muitas informações sobre as causas e circunstâncias da decisão judicial.

Segundo a Folha de São Paulo, as autoridades que investigam o caso obtiveram autorização judicial para que o WhatsApp quebrasse o princípio de privacidade que protege as comunicações entre os seus utilizadores e fornecesse dados trocados pelas pessoas investigadas através da aplicação. Num comunicado à imprensa, o tribunal criminal de São Bernardo do Campo explicou que o WhatsApp foi notificado duas vezes, em Julho e em Agosto, para disponibilizar os dados solicitados e, como não cumpriu, o Ministério Público pediu o bloqueio do seu funcionamento pelo prazo de 48 horas, o que foi deferido pela juíza Sandra Regina Nostre Marques. A medida impôs que as operadoras brasileiras de telecomunicações bloqueassem o acesso ao WhatsApp sob pena de serem, elas próprias, punidas. Elas terão sido apanhadas de surpresa pela decisão judicial, que foi anunciada na quarta-feira à tarde, sem possibilidades de notificarem os seus clientes.

A única operadora que contestou a decisão judicial foi a Oi, que apresentou um pedido de habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo na quarta-feira à noite. “É uma medida judicial muito curiosa”, observa Carlos Affonso, especialista em sociedade da informação que ajudou a redigir a nova legislação que regula a Internet no Brasil, em vigor desde Junho de 2014. “O habeas corpus utiliza-se para impedir que alguém seja preso. Muita gente ficou perplexa com o habeas corpus. ‘Como assim? Será que o WhatsApp pode ser preso?’ Mas essa medida foi avançada preventivamente em nome do presidente da Oi para garantir que ele não seria preso caso descumprisse a decisão.” No seu pedido de habeas corpus, o presidente da Oi, Bayard de Paoli Gontijo, afirmou que, como a ordem judicial de bloqueio do WhatsApp é ilegal, ele não poderia cumpri-la.

“Todo o mundo tem"

Um juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo reverteu a ordem judicial do dia anterior e determinou a reposição do funcionamento do WhatsApp. Essa decisão foi noticiada ao princípio da tarde, mais ainda levou algumas horas para a aplicação voltar a funcionar. Às 15h30, os utilizadores de WhatsApp respiraram de alívio: estava, de novo, activo.

Acordar sem WhatsApp no Brasil é como ser atingido por “uma epidemia”, descreve o empresário de moda Marcelo Zanini, 54 anos. “Todo o mundo tem, espalhou-se muito rápido.” Foi a aplicação mais descarregado no ano passado naquele que é o quarto maior mercado mundial de smartphones. Milhões de pessoas – metade da população brasileira, segundo o Facebook, que é proprietária a aplicação – dependem do WhatsApp para todo o tipo de comunicações, seja com familiares e amigos, seja com o médico (segundo um estudo recente, 87% dos médicos brasileiros comunicam com os seus pacientes via WhatsApp), clientes ou colegas de trabalho, os professores dos filhos, etc.

“Realmente, o bloqueio está atrapalhando a minha vida, porque eu uso o WhatsApp diariamente para fazer negócios”, dizia Marcelo Zanini ao fim da manhã, quando a aplicação ainda se encontrava suspenso. “Não entendo a decisão de bloquear o Brasil inteiro. Devia existir outra punição que não prejudicasse os utilizadores, que fosse mais direccionada, como a aplicação de uma multa. Ou fazer uma ameaça menor. Bloquear uma hora, ou duas. Mas não assim. Está punindo muita gente.”

Essa foi também a conclusão do juiz que ordenou a reposição do serviço. Xavier de Souza considerou não ser “razoável que milhões de utlizadores sejam afectados em decorrência da inércia da empresa" em fornecer informações à Justiça e sugeriu que, em alternativa, poderia ter sido aplicada uma multa maior.

Para Carlos Affonso, director do Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio e professor na Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a decisão judicial de suspender os serviços de WhatsApp em todo o território nacional foi “desproporcional”, até porque o Marco Civil da Internet, a legislação em vigor no Brasil, prevê uma “uma gradação de punições”, nomeadamente multas e advertências, para situações destas e, num caso extremo, a suspensão da recolha e tratamento de dados pessoais dos seus utilizadores, mas não a suspensão das actividades a aplicação como um todo. “Seria o equivalente a alguém mandar um carta ameaçando alguém e uma ordem judicial mandar que os correios fossem todos fechados”, exemplifica.

Nem todos os brasileiros encararam a interrupção do WhatsApp como um contratempo. “Sinceramente? Eu até gostei. Ninguém está me perturbando”, disse Marina Silva, promotora de vendas, 32, enquanto degustava um hambúrguer McDonald’s no Leblon. Um dia normal, com WhatsApp, é falar com 70 pessoas só por razões profissionais. Fora os familiares. “Por isso, eu gostei. Estou tranquila. Posso até comer. Recebi até um sms hoje”, diz, rindo-se. “Meu namorado não tem WhatsApp, então ele fica concentrado em mim. Já me ligou três vezes hoje.” Todo o mundo sabe: desde que inventaram o WhatsApp, ligação é prova de amor.

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