O túmulo de Nefertiti pode estar mais perto do que nunca

As análises conduzidas no túmulo de Tutankhamon sugerem que é “90% certa” a existência de uma câmara funerária oculta, reforçando a tese de que aí poderá estar enterrada uma das mais famosas rainhas do Antigo Egipto.

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Sarcófago de Tutankhamon KHALED DESOUKI/AFP
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O busto de Nefertiti está no Neues Museum, em Berlim DR
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Túmulo de Tutankhamon KHALED DESOUKI/AFP
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Perito japonês Hirokatsu Watanabe KHALED DESOUKI/AFP
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O ministro egípcio das Antiguidades Mahmoud al-Damaty e o egiptólogo britânico Nicholas Reeves KHALED DESOUKI/AFP

As autoridades egípcias estão “desesperadas por boas notícias” e este sábado puderam finalmente dá-las: os resultados preliminares das análises conduzidas por uma equipa internacional liderada pelo egiptólogo Nicholas Reeves apontam fortemente para a existência de uma segunda câmara funerária até aqui oculta por trás da parede Norte no túmulo de Tutankhamon. “Tínhamos dito que havia 60% de hipóteses de haver alguma coisa atrás destas paredes. Mas agora, após uma primeira leitura das imagens obtidas por radar, podemos afirmar que essa probabilidade é afinal de 90%”, afirmou este sábado, no Vale dos Reis, o ministro das Antiguidades Egípcias Mahmoud al-Damaty.

Tratando-se ou não do sarcófago de Nefertiti, como Reeves ardentemente defende, as autoridades egípcias acreditam que o que quer que ali venha a ser encontrado, selado atrás de uma parede há vários milhares de anos, pode constituir “o achado do século XXI” – na era moderna, apenas o túmulo de Tutankhamon foi descoberto intacto, com todo o seu infindável tesouro de mais de cinco mil peças que demorou quase uma década a catalogar.

Ao longo do próximo mês, as imagens obtidas pelo especialista Hirokatsu Watanabe com um radar especialmente adaptado às difíceis condições geotérmicas e à relativa exiguidade do túmulo de Tutankhamon serão sujeitas a uma minuciosa análise no Japão. Se tudo correr como espera o egiptólogo britânico que convenceu as autoridades egípcias a reavaliar aquele que é o grande ex-libris do Vale dos Reis, as conclusões finais desta investigação confirmarão a sua tese de que o mausoléu ainda não foi integralmente escavado.

“Parece claro que, como predisse, o túmulo continua. O radar sugere que a câmara funerária [de Tutankhamon] se prolonga ao longo de um corredor que desemboca noutra câmara funerária”, sublinhou Reeves, secundado pelo perito japonês: “Existe de facto um espaço vazio atrás da parede, não há qualquer dúvida. Neste momento, porém, ainda não podemos fazer cálculos”, disse Watanabe, citado pela Reuters.

Embora considerada fantasiosa por alguns egiptólogos, a tese de que após a sua morte precoce, com apenas 19 anos, Tutankhamon terá sido enterrado no mausoléu pré-existente da primeira mulher do seu pai, o faraó Akhenaton, parece cada vez menos incrível. Há muito que os especialistas tentam perceber porque é que o túmulo de Tutankhamon é mais pequeno do que o dos outros faraós enterrados no Vale dos Reis – a necrópole da antiga cidade de Tebas, actual Luxor – e porque é que exibe a orientação típica dos túmulos das rainhas egípcias do seu tempo, com o eixo central inclinado para a direita.

A eventual descoberta do túmulo de Nefertiti numa segunda câmara funerária até aqui desconhecida confirmaria a suspeita de que o mausoléu original da rainha terá sido reconvertido, dez anos após a sua morte, para acolher os restos mortais de Tutankhamon, o que explicaria também as orelhas furadas e os traços femininos da sua célebre máscara funerária – um dos mais extraordinários tesouros do Antigo Egipto, actualmente exposto no Museu do Cairo. “A minha hipótese é de que nos encontramos perante um túmulo dentro de outro túmulo. Tutankhamon terá sido enterrado na parte exterior de uma sepultura que já existia e que terá sido adaptada para o efeito”, explicou Nicholas Reeves ao El Mundo no Verão passado.

Mas desde que em Julho o arqueólogo da Universidade do Arizona publicou o artigo em que defende esta tese, The Burial of Nefertiti?, vários egiptólogos têm vindo lembrar que não há sequer consenso acerca do local onde Nefertiti morreu no século XIV a.C., e que o mais provável é ter sido enterrada em Amarna – foi de resto na capital que Akhenaton fundou e que dedicou ao seu único deus, Aton, que o magnífico busto da rainha esculpido há cerca de 3.300 anos foi encontrado em 1912.

Já depois da conferência de imprensa deste sábado, um dos mais destacados especialistas do Antigo Egipto, o ex-ministro das Antiguidades Zahi Hawass, frisou à AFP que a sugestão de que Nefertiti pode ter sido enterrada no mausoléu de Tutankhamon é totalmente inverosímil, dada a sua participação activa na aventura monoteísta de Akhenaton: “Nefertiti prestou culto a Aton durante anos. Os sacerdotes nunca autorizariam que fosse sepultada no Vale dos Reis.” E o próprio Mahmoud al-Damaty, o ministro das Antiguidades Egípcias que este sábado anunciou “o achado do século XXI”, acredita ser mais lógico estar-se perto do mausoléu de Kia, a segunda mulher de Akhenaton e provável mãe de Tutankhamon, do que do da mítica Nefertiti.

“Implicações extraordinárias”

Até que os resultados finais das análises feitas nos últimos dois dias sejam divulgados, não é de excluir que se esteja perante o início de uma campanha arqueológica tão apaixonante como aquela que o egiptólogo britânico Howard Carter concluiu, depois de muitas peripécias, a 16 de Fevereiro de 1922, dia em que finalmente pôde revelar ao mundo o túmulo até então selado de Tutankhamon. Nos últimos dias, a equipa internacional liderada por Nicholas Reeves aguardou pela saída dos últimos turistas para se fechar no mausoléu e auscultar os segredos que aquelas paredes ainda possam ter a contar. “O túmulo parece relutante em confiar-nos os seus segredos. Mas está a revelá-los pouco a pouco. E até agora nenhum dos resultados contradiz as bases da minha teoria”, disse o egiptólogo à National Geographic, que co-financia o projecto e em 2016 vai estrear um documentário exclusivo sobre a investigação em curso.

Especialista na 18.ª Dinastia, uma das mais misteriosas e fascinantes de toda a história do Antigo Egipto, Reeves começou a suspeitar de que poderemos estar mais perto do que nunca do túmulo de Nefertiti quando viu as imagens de altíssima resolução, obtidas com recurso a scanners 3D, que a empresa madrilena Factum Arte começou a recolher em 2009 no túmulo de Tutankhamon: “Se aquilo que as imagens sugerem vier a confirmar-se, as implicações são extraordinárias. Nestas profundezas inexploradas pode estar um enterramento anterior, o da própria Nefertiti, consorte celebrada, co-regente e eventual sucessora do faraó Akhenaton”, sugeria em Julho.

É uma hipótese que de facto o radar de Hirokatsu Watanabe não descartou, tal como as sofisticadas imagens feitas no início deste mês com câmaras termográficas não tinham descartado. Além da câmara funerária selada atrás da parede Norte, sugerida pelas “destacadas irregularidades térmicas” que as imagens evidenciam, parece haver também indícios de que a parede ocidental adjacente esconde um outro compartimento, possivelmente um espaço de armazenamento onde Reeves ambiciona encontrar um tesouro à escala daquele com que Carter se deparou há quase um século. Se ambos os indícios confirmarem, será necessário encontrar uma maneira de passar para o lado de lá dessas paredes sem danificar as valiosas pinturas murais que constituem a exuberante decoração interna do túmulo de Tutankhamon: “Uma ideia é cortar os frescos e exibi-los num museu, talvez em colaboração com os especialistas italianos que usaram esta técnica em Pompeia. Não é fácil, mas pode fazer-se”, garante Reeves.

Para um país que, como lembra a National Geographic, atravessa um período de extrema turbulência económica e política e que viu uma das suas principais fontes de receitas, o turismo, recuar para níveis mínimos, “o potencial de uma descoberta arqueológica avassaladora” é incalculável. “A possibilidade de estarmos perante a existência de outra câmara funerária no túmulo de Tutankhamon é realmente intrigante e excitante, mas quem poderá lá estar? Falta-nos toda a família real, excepto Tutankhamon. Pode ser qualquer pessoa”, notou à revista norte-americana Ray Johnson, director da Chicago House, um núcleo de investigação da Universidade de Chicago que está sediado em Luxor.

Resumindo: serão boas notícias, com ou sem Nefertiti. 

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