Ajudas do Estado à CGD, Novo Banco e Banif ensombram novo Governo

Futuro da CGD e forma de suprir eventuais falhas de capital assumem-se como desafios de peso, a par da venda do Novo Banco e da posição no Banif.

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Pedro Passos Coelho já defendeu a privatização da CGD Paulo Pimenta

A sustentabilidade da banca portuguesa é um dos pontos que poderão vir a marcar a agenda financeira e política do próximo Governo, se este for chamado a pronunciar-se sobre a capitalização do sector, em particular, das instituições a operar na esfera estatal. Um tema sensível, por exigir envolvimento de dinheiro público, e que pode recuperar para a mesa das negociações a privatização da CGD, o que vai colocar uma linha vermelha no consenso entre blocos partidários.

Quando o novo primeiro-ministro chegar a São Bento, vai encontrar na sua secretária vários “barris de pólvora”. Um deles esconde a capitalização da banca portuguesa, em particular a da CGD e do Novo Banco, mas também a reestruturação do Banif, onde o Estado é, desde Dezembro de 2012, o accionista maioritário. Os três dominam cerca de 40% do mercado e a sua relação com o tesouro não é igual. A CGD é 100% pública. Já o Novo Banco e o Banif foram resgatados e aguardam por um comprador, mas, enquanto não transitarem para o domínio privado, terá de ser o Estado a garantir a sua solidez.

Nos últimos três anos, o anterior executivo PSD/CDS-PP aplicou directa e indirectamente quase 6000 milhões de euros nas três instituições. E analistas admitem novas ajudas da ordem dos 2500 milhões.

Um dos temas politicamente mais complexos e que o novo Governo tem para resolver está associado ao futuro da CGD e à via escolhida para suprir eventuais falhas de capital. A equipa de José Matos pode vender activos, emitir dívida ou reter lucros gerados pela actividade. Mas, se não bastar, terá de ser o accionista Estado a colmatar as insuficiências. Com o paradigma da supervisão financeira a sofrer alterações de fundo, o BCE substituiu-se às autoridades locais na vigilância sobre as instituições, que estão hoje obrigadas a garantir rácios de solidez mais robustos (a partir de 2016, cada banco terá de cumprir um rácio estabelecido de acordo com o seu perfil).

No actual quadro regulatório europeu, um aumento de capital da CGD por via do tesouro é considerado uma ajuda do Estado. Embora não seja proibida, esta terá de passar pelo crivo de Bruxelas, o que vai ter consequências: as autoridades de concorrência tenderão a exigir um plano de reestruturação com pressão para a venda de activos, fecho de balcões, rescisões e redução de dimensão.

A mobilização de dinheiro dos contribuintes tem ainda impacto directo no défice público, o que tenderá a abrir a porta ao debate sobre a privatização parcial do maior banco português (em Portugal, para reduzir a contestação, começa-se por anunciar a alienação de parte da empresa, para depois colocar o resto das acções no mercado). A solução é defendida pelo líder da coligação Portugal à Frente, que o Presidente da República convidou para regressar a São Bento.

Sem maioria absoluta, o centro de poder transfere-se parcialmente do Governo para o Parlamento, onde a venda da CGD gera divergências. O PS, o BE e o PCP manifestaram-se contra a ideia, mas Pedro Passos Coelho defende-a. Três meses antes das eleições de 4 de Outubro de 2015, em declarações ao Jornal de Negócios, o ex-primeiro-ministro lançou dúvidas sobre a liderança e a solidez da Caixa: “Preocupa-me, e espero que a administração não deixe de executar as operações que forem necessárias e que permitirão fazer o reembolso do valor investido [900 milhões] na sua capitalização, e que o foi apenas na circunstância de o devolver” com os respectivos juros, afirmou.  Os avisos foram interpretados como um meio de abrir a porta à saída da gestão de José Matos, cujo mandato termina no final do ano. E ainda como uma tentativa de sensibilizar a opinião pública para a possível alienação do grupo estatal.

A matéria é delicada. A CGD guarda um terço dos depósitos dos particulares portugueses, para além de ter sido um veículo estabilizador na crise financeira de 2008 e de ter servido de “banco refúgio” a milhares de clientes do BES no período da sua implosão.  

O próximo executivo possui uma curta janela de oportunidade para normalizar a CGD. A partir de Janeiro de 2016, entra em funcionamento para toda a Europa a nova directiva da resolução bancária, que impõe que instituições com accionistas sem disponibilidade para injectar capital recorram aos seus obrigacionistas detentores de dívida subordinada e sénior e aos grandes depositantes. Ou seja: que transformem os depósitos e as obrigações em capital. Na prática, numa entidade estatal, levará à privatização parcial. Já no modelo de resolução do BES os obrigacionistas e os grandes depositantes perderam o dinheiro.

Perdas com Novo Banco 
O outro “barril de pólvora” que pode pegar fogo na próxima legislatura tem o nome “Novo Banco”. E pode contaminar a CGD e, indirectamente, os contribuintes. Um elefante branco que um Governo minoritário não terá condições para encobrir.

Ao contrário da Caixa, este será resolvido dentro do sistema, ainda que com intervenção pública. Depois de o Banco de Portugal (BdP) e de Passos terem vindo declarar que o Novo Banco seria vendido sem perdas, hoje é um dado adquirido que há elevadas probabilidades de a operação gerar fortes prejuízos. Isto se a instituição for alienada abaixo dos 4900 milhões de euros (as informações apontam para um valor entre 2000 e 3000 milhões) que foram injectados em Agosto de 2014 pelo Fundo de Resolução (uma entidade pública, dotada de verbas do sector).

Dos 4900 milhões, 3900 milhões de resultam de um financiamento público. E serão os bancos que estão no mercado a competir com o Novo Banco que vão ser chamados a cobrir as perdas. Desconhece-se qual vai ser a factura final, mas, na qualidade de maior “accionista” do Fundo a Caixa sofrerá o impacto negativo mais forte, que pode ditar pedidos para novas injecções de capital do Estado.

O perigo de o “barril” detonar existe, portanto. Mas não há quem o queira discutir. Ao aceitar assumir por conta e risco o dossier BES/Novo Banco, apesar de seguir decisões governamentais (recusa em recapitalizar o BES via linha da troika, o modelo de resolução adoptado e a tentativa falhada de venda antes das eleições), o governador do BdP, Carlos Costa, deu a Passos Coelho o álibi perfeito para o Governo controlar os danos.  
Por sua vez, o PS, o BE e o PCP não se sentem responsáveis nem pela origem dos problemas que levaram ao colapso, nem pela falta de supervisão e de acção atempada das autoridades para evitar a falência do BES, nem pelo desenho do resgate. E fogem do tema como o diabo da cruz.  

Depois da venda frustrada do Novo Banco (que criou uma sensação de fracasso e de falta de qualidade do activo), resultante de um processo mal conduzido pelo supervisor, chegou à comunicação social mais um dado não confirmado: o novo concurso público de alienação (agora mais aligeirado) seria dirigido por Eduardo Stock da Cunha. Só que, para o fazer, Stock da Cunha terá de receber um mandato que nunca lhe foi dado. O dossier Novo Banco tem que estar fechado até Julho de 2016. No entanto, o BdP pode solicitar a prorrogação do prazo até mais três anos, o que é permitido pelo diploma da resolução, mas exige outra negociação com Bruxelas.

O êxito ou o insucesso do negócio estão muito dependentes do resultado dos testes de stress a que o banco está a ser submetido. A análise do BCE vai ditar eventuais necessidades de capital a colmatar (no pressuposto de que as regras se aplicam) nos nove meses após a comunicação. Se o Fundo de Resolução tiver de avançar com contribuições adicionais, que os bancos terão de assumir nos balanços, entra-se em terreno desconhecido. Hoje, no sector, a sensação é de navegação à vista. Até porque, mais de um ano depois do resgate ao BES, as autoridades ainda não esclareceram os moldes, bem como o prazo, em que os bancos vão reembolsar o empréstimo ao Fundo de Resolução, se a venda gerar prejuízo.

Para além da CGD e do Novo Banco, o tesouro terá de lidar com outro “imbróglio” menos explosivo do que a CGD e o Novo Banco. Presidido por Jorge Tomé, o Banif tem cerca de 5% de mercado. Em 2012, o Estado tornou-se o seu accionista maioritário. A ajuda foi repartida entre 700 milhões de euros investidos directamente em acções e 400 milhões em CoCo’s. O Banif já devolveu 275 milhões dos 400 recebidos, mas não conseguiu um comprador para a posição estatal. Com o plano de reestruturação encalhado em Bruxelas, o objectivo está dificultado. E, se o impasse se mantiver, o próximo Governo terá de decidir o que fazer com a instituição. A expectativa é que seja vendida, mas provavelmente o Estado não recuperará o total dos 700 milhões aplicados.

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